EXCLUSIVO: Fantástico entra nas celas de presídio de segurança máxima em Mossoró e mostra falhas de segurança que levaram à fuga de presos

Cela de onde detentos escaparam em Mossoró — Foto: Reprodução/Globo

Por g1 RN — O Fantástico deste domingo (18) entrou com exclusividade na penitenciária de segurança máxima de Mossoró (RN), um presídio construído para receber alguns dos bandidos mais perigosos do país, mas que revelou fragilidades.

Os repórteres Paulo Renato Soares e Mohamed Saigg foram autorizados a entrar na unidade. No vídeo acima, é possível ver como é o interior das celas onde escaparam os dois fugitivos, e como os detentos conseguiram sair por um buraco na parede, descer pelo telhado, cortar a grade de arame do pátio e fugir sem serem notados.

Já são cinco dias de caçada aos criminosos. O Fantástico também acompanhou as buscas noturnas da Polícia Federal e os sobrevoos da Polícia Rodoviária Federal durante o dia.

A entrada

O controle de quem acessa a penitenciária é rígido: revistas, detectores de metais. A equipe do Fantástico passou por quatro pontos de checagem antes de chegar ao interior do presídio federal.

Como é o presídio

A penitenciária de segurança máxima, em Mossoró, ocupa uma área de 12 mil metros quadrados. A capacidade é pra 208 detentos, hoje tem pouco mais de 80, entre eles o traficante Fernandinho Beira Mar.

São quatro pavilhões de celas individuais, mais a área onde estão as 12 celas do isolamento – onde ficam os presos que cumprem pena no Regime Disciplinar Diferenciado, o RDD, o mais rígido dentro dos presídios federais.

Onde estavam os presos que fugiram

Era no RDD que os dois detentos que fugiram estavam, em celas separadas uma ao lado da outra.

Cada cela tem 8 metros quadrados, com mesa e cama de concreto, banheiro e, como passam o dia todo trancados, um espaço bem pequeno para o banho de sol ali mesmo, o solário.

A fuga

O Fantástico teve acesso às duas celas onde houve a fuga, a número 1 e a número 2.

Fantástico entra em uma das celas onde houve a fuga no RN — Foto: Reprodução/ TV Globo

Uma das hipóteses da investigação é que os detentos tenham retirado pedaços de ferro, das paredes da cela, e usado como ferramenta para retirar a luminária. Pode ter sido do banheiro, pode ter sido de uma parede, mas pode ter sido também debaixo de uma mesa, onde não é possível ver mais vestígio nenhum de ferro.

Fantástico entra nas celas de presídio de segurança máxima em Mossoró e mostra falhas de segurança que levaram à fuga de presos — Foto: Reprodução/ TV Globo

Na cela do outro fugitivo aparentemente foi retirado um número ainda maior de vergalhões debaixo da mesa.

Depois de passarem pelo buraco aberto na parede, os detentos tiveram acesso a uma área de serviço conhecida como shaft – por onde passam dutos, rede elétrica e até uma escada que dá acesso ao telhado do presídio.

Depois de passarem pelo buraco aberto na parede, os detentos tiveram acesso a uma área de serviço conhecida como shaft — Foto: Reprodução/ TV Globo

Vídeos obtidos pelo Fantástico revelam que depois de chegar ao teto das celas, os presos tiveram apenas o trabalho de tirar uma das telhas de lugar e pular pro pátio.

A área externa estava cercada por um tapume de metal por causa de obras que estão acontecendo no presídio. Por questões de segurança, o cercado delimitava onde ficavam os operários e o material.

Os detentos passaram pelo tapume e usaram um alicate deixado pelos operários e cortaram a primeira parte da grade. Andaram mais alguns metros, abriram a passagem na segunda tela e fugiram.

Outras imagens obtidas pelo Fantástico são de câmeras de segurança da penitenciaria, e a má qualidade da imagem impressiona. Investigadores dizem que este é o único registro dos detentos durante a fuga.

A fuga aconteceu às 3h de quarta-feira (14), mas os agentes penitenciários só deram falta dos detentos quase duas horas depois.

Perfil dos fugitivos

Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento são ligados à facção criminosa Comando Vermelho.

Rogério foi condenado a 74 anos de prisão por crimes como tráfico de drogas, assalto, organização criminosa e o homicídio de um adolescente.

Deibson tem que cumprir 81 anos de cadeia por tráfico, assalto e organização criminosa.

Em 2013 os dois tentaram fugir juntos de um presídio no Acre. E chegaram a serrar grades da unidade.

No ano passado, os criminosos foram transferidos para a Penitenciária Federal de Mossoró, depois de participar de uma rebelião sangrenta, que deixou cinco mortos, em Rio Branco.

A investigação

Peritos do Instituto Nacional de Criminalística usaram equipamentos sofisticados pra escanear e analisar cada centímetro das celas. Eles querem descobrir quanto tempo os detentos levaram pra retirar a luminária e abrir o buraco pra fuga – a estimativa é de mais de três dias.

Já está confirmado que os detentos usaram uma mistura de sabonete e papel higiênico como uma espécie de reboco pra camuflar os buracos nas paredes.

O sabonete também foi usado para deixar o buraco mais escorregadio e facilitar a passagem deles.

“A gente está ainda sobre investigação. É importante destacar que foi necessário uma primeira ferramenta, né? Agora, como essa ferramenta e como eles conseguiram, a gente ainda não tem essa resposta”, diz a perita criminal federal Luciana Lobato Schmidt.

A Polícia Federal apura se houve facilitação de servidores e de operários da obra na fuga.

Relatórios sigilosos apontam falhas nos procedimentos de segurança e na estrutura da unidade

O Fantástico também teve acesso a relatórios sigilosos que apontam falhas nos procedimentos de segurança e na estrutura da unidade desde 2019. As informações são da divisão de inteligência da Penitenciária Federal em Mossoró

➡️Em dezembro de 2019, um integrante do PCC que estava preso na unidade fugiu do pátio de banho de sol, pegou a espingarda de um agente e passou a fazer ameaças. Mas a ação não foi registrada porque, segundo o relatório, em 2019 já faltavam câmeras e o sistema de gravação das imagens apresentava problemas.

➡️Em maio de 2021 também foi feito um levantamento sobre as câmeras de segurança. Uma das inspeções revelou a situação nos quatro pavilhões, chamados de vivências.

A vivência ‘Alpha’ tinha 7 câmeras operantes e 41 inoperantes;
A ‘Bravo’ 14 operantes e 34 inoperantes;
Na ‘Charlie’, 24 operantes e outras 24 inoperantes;
Na ‘Delta’, 23 operantes e 25 inoperantes.

Das 192 câmeras instaladas no presídio, 124 estavam inoperantes. E mesmo as câmeras que funcionavam apresentavam instabilidade, com perda de imagens.

➡️Em agosto de 2023, a divisão de inteligência apontou problemas no acesso a um dos shafts, a mesma área de serviço atrás das celas, por onde os fugitivos passaram. A portinhola estava destrancada, mas na análise descobriram que ela não fechava porque estava totalmente corroída por ferrugem.

O relatório faz um alerta: se algum preso retirasse a luminária das celas teria acesso à área externa da penitenciária. Foi exatamente o que aconteceu na madrugada de quarta-feira (14).

O secretário nacional de políticas penais, que assumiu no dia da fuga, afirmou que a maioria das deficiências da penitenciária já está sendo corrigidas.

“As causas dos problemas, o que levou a esse descompasso a esse distanciamento do padrão de qualidade que nós temos nas outras unidades, isso está sendo apurado com mais calma, porque isso para isto, precisa de mais demanda, mais tempo. Mas o mais importante nessa situação toda, e que nós estamos repetindo desde o início, é retomar esse padrão”, diz André Garcia.

Ministro da Justiça em Mossoró

O ministro da Justiça esteve em Mossoró neste domingo (18) para acompanhar as buscas. Ricardo Lewandovski disse que a operação para recaptura dos presos não tem prazo para acabar e que aos problemas estruturais no presídio de Mossoró foram resolvidos.

“Temos quase 500 policiais trabalhando na recaptura desses dois fugitivos. Já estamos iniciando a construção de muralhas. A próxima muralha será feita em Mossoró e as demais medidas que nós anunciamos: sensores de presença, reconhecimento facial, iluminação, videocâmaras, incremento da inteligência, contratação de mais policiais penais federais, isso tudo está sendo providenciado”, relata.

Na entrevista, Ricardo Lewandovski foi questionado sobre os relatórios produzidos por autoridades policiais que identificavam, em 2021 e 2023, falhas na vigilância do presídio federal de Mossoró.

“Na minha gestão nenhuma informação oficial veio pelo menos a tempo e com relação a esse presídio de Mossoró. Tudo que está sendo coletado em termos de documentos vai ser rigorosamente apurado e se houver alguma responsabilidade, aquele que for enfim responsável por alguma falha funcional terá que ser punido na forma da lei”, diz.