Por g1 PB — A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pelo desaparecimento forçado do trabalhador rural Almir Muniz da Silva. Na Paraíba, ele lutava pelo direito à terra e denunciou milícias rurais e a violência no campo antes de desaparecer, em 2022. O anúncio foi feito na tarde desta terça-feira (11).
Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que o Estado brasileiro também foi notificado nesta terça-feira (11) sobre a sentença. O órgão declarou que irá preparar um parecer para que as autoridades responsáveis tomem conhecimento da decisão e iniciem o cumprimento das medidas determinadas.
Almir Muniz da Silva, trabalhador rural, foi visto pela última vez em uma estrada que atravessa as Fazendas Veneza e Tanques, no município de Itabaiana. No entanto, a denúncia não foi registrada, e nenhuma ação imediata foi tomada para localizar a vítima ou investigar os acontecimentos. Em 2009, o caso foi arquivado e a família ficou sem explicações.
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A Corte ordenou que o Brasil continue a investigação sobre o desaparecimento forçado de Almir Muniz da Silva, recomece as buscas pelo seu paradeiro e ofereça tratamento médico, psicológico e psiquiátrico às vítimas. Também foi estabelecido que o estado deve divulgar a sentença em diários oficiais e nas redes sociais de órgãos públicos.
Os juízes também decidiram que o Brasil deverá realizar um ato público de reconhecimento da responsabilidade internacional e apresentar desculpas públicas, além de adequar o ordenamento jurídico interno para tipificar o crime de desaparecimento forçado. O país terá, ainda, que criar e implementar um protocolo de busca de pessoas desaparecidas forçadamente e de investigação.
Outra medida estabelecida pela Corte é o pagamento de indenização por danos imateriais, reembolso de custas e despesas para os familiares do trabalhador rural.
Durante audiência pública, o Estado brasileiro reconheceu a culpa por falhas na investigação do desaparecimento do trabalhador rural Almir Muniz da Silva, em 2002, na Paraíba, mas não admitiu que ele foi vítima de um “desaparecimento forçado”, causado por um policial civil.
A Advocacia-Geral da União (AGU) reconheceu a falha na investigação do caso e pediu desculpas por causar sofrimento psicológico e moral aos familiares da vítima. Porém, afirmou que o desaparecimento de Almir Muniz não configura um “desaparecimento forçado”.
De acordo com o órgão, para configurar um desaparecimento forçado, o crime deveria ser caracterizado por privação de liberdade e ser provocado por agente de estado ou por concordância deste. Os dois pontos foram negados pela AGU, que também afirmou que não houve um julgamento formal do suspeito, que era um agente policial, por causa das falhas na investigão, por isso não poderia confirmar a relação do crime com um agente do estado.
A Justiça Global defendeu que o caso é caracterizado como um desaparecimento forçado e destacou que o crime não é tipificado pela legislação brasileira, o que implicaria um prejuízo, causando apagamento do fenômeno e violando obrigações internacionais.
A organização não-governamental pediu que a corte declare o estado brasileiro culpado pela violação de direitos pelo desaparecimento forçado, por não tipificar o crime na legislação nacional, pela violação do direito à verdade e por não realizar investigação séria, imparcial, efetiva e célere.
Conforme o irmão da vítima, Almir era muito visado por ser uma liderança na comunidade. Além de trabalhador rural, ele ocupava o cargo de diretor da associação dos trabalhadores rurais da terra comunitária de Itabaiana. Em 2000, ele registrou a primeira ameaça na Delegacia da cidade, narrando com detalhes violências ocorridas na fazenda Mendonça.
Segundo Noberto, tudo começou na metade do anos 90 quando um grupo de 57 famílias começaram a trabalhar na propriedade, que estava desocupada pelo dono. Um vistoria do INCRA foi solicitada pelas famílias, constatando em 1997 que a terra era produtiva. No entanto, o instituto orientou os trabalhadores a dar um passo para trás devido ao conflito existente.
Nesta época, o policial Sérgio de Souza Azevedo já trabalhava como segurança da fazenda e agia de forma agressiva contra os trabalhadores ocupados, o que gerou a primeira denúncia de Almir em 2000.
O clima na comunidade estava cada vez mais tenso devido às ameaças e ações violentas do grupo liderado por Sérgio. Almir e outros membros da comunidade viviam sob constante pressão e intimidação. A situação se agravou após a criação da CPI da Violência no Campo em 2001 e mais acusações formais contra o policial.
Em 2002, Almir Muniz foi visto pela última vez em uma estrada que atravessava as Fazendas Veneza e Tanques no município de Itabaiana. No entanto, a denúncia não foi registrada e nenhuma ação imediata foi tomada para localizar a vítima ou investigar os acontecimentos. Em 2009, o caso foi arquivado e a família ficou sem explicação.
Devido à falta de ação das autoridades locais, o caso foi peticionado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A CIDH constatou a falta de uma versão oficial sobre o ocorrido, visto que a investigação interna foi arquivada sem esclarecimento ou punição dos responsáveis. Concluiu-se que o desaparecimento foi forçado, resultando no assassinato por um agente policial, com ocultação de seus restos mortais, enquanto as autoridades negligenciaram investigações, mesmo cientes do risco que ele enfrentava.
Também foi observado que o assassinato de um defensor dos direitos humanos e a impunidade tiveram um efeito intimidador sobre outros defensores e o movimento dos trabalhadores rurais, violando o direito à liberdade de associação.
Consequentemente, o Estado brasileiro foi considerado pela CIDH como responsável pela violação de vários direitos consagrados na Convenção Americana e na Convenção Interamericana sobre o desaparecimento forçado de pessoas.