Por g1 PB — A vereadora Raíssa Lacerda, presa nesta quinta-feira (19), em uma operação contra aliciamento violento de eleitores, articulou com uma facção criminosa para impedir que outros candidatos fizessem campanha em áreas dominadas pelo grupo. As informações são da investigação da Polícia Federal.
Raíssa é suspeita de liderar um esquema que utilizava de violência e de outros meios ilegais para tentar obrigar eleitores de determinados bairros a votar nela. As investigações da Polícia Federal apontam que a suspeita Kaline Rodrigues articulava com líder de facção criminosa para conseguir votos para Raíssa no bairro Alto do Mateus, em João Pessoa.
O g1 teve acesso aos documentos da investigação contra os alvos da Operação Território Livre. Na primeira fase foram apreendidos o celular da vereadora Raíssa Lacerda e mais de R$ 36 mil em dinheiro.
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Ao analisar o celular da vereadora, a Polícia Federal encontrou uma conversa da funcionária pública Kaline Neres Do Nascimento Rodrigues com um líder da facção criminosa “Nova Okaida” na região do Alto do Mateus. Segundo a PF, Kaline enviou as conversas para a vereadora como forma de “prestação de contas”, no dia 22 de maio de 2024, por volta das 21h.
Kaline Rodrigues enviou para a vereadora uma série de mensagens de áudios que ela trocou com David Sena de Oliveira, apelidado de ‘Cabeça’, citado pela PF como “gerente do tráfico”, responsável pelo tráfico de entorpecentes na região.
Em um áudio, Kaline pede que o traficante apoie a candidatura de Raíssa Lacerda e que o homem impeça a entrada de outra candidata a vereadora na região. A funcionária pública cita uma discussão com a candidata concorrente nas eleições de 2020, com justificativa de desavença política.
Kaline Rodrigues também expressa preocupação para que a ação do traficante não chame atenção: “Como é que a gente faz para ela não pisar mais aí embaixo, hein? Tem algum jeito? Tu acha que tem? Sem sujar muito a … Sem sujar para a Gestão, tu tá entendendo? Aquela bicha é pilantra, é plitantra”, afirma a funcionária.
O líder da organização criminosa na região, David Sena, responde Kaline com um áudio e pede que ela arrume algo para eles ganharem dinheiro neste ano eleitoral. “Vamos ver alguma coisa para nós arrumar uns votos bom aí…Arrumar uma grana que é certo demais”, afirma o líder.
Kaline segue a conversa, conta que estava estressada e tendo crises de ansiedade por causa da candidata concorrente da região. Ela então responde: “Eu sei que desse uns tapas, o estresse passava… mas eu não posso, não posso, eu sou da Gestão, não posso sujar assim não, quer queira quer não, me tornei uma pessoa pública trabalhando com o público, entendeu?”.
O líder da facção afirma que a candidata só entrou na região porque ele não estava lá, confirmou que vai conversar com a mulher, mas sem chamar atenção, porque ele não quer que ela se torne vítima.
A negociação entre Kaline Rodrigues explica para o chefe do tráfico que Raíssa Lacerda precisa de votos e que a vereadora deve conversar com traficante em breve. A funcionária também promete conseguir carros alugados pelo município para o pai do traficante e cargos públicos.
“Raíssa ganhar e não ganhar em alto, nada feito, tu tá entendendo? Os seus planos futuros, precisa de voto, de voto, precisa dizer assim, a pessoa vai ficar…é, é… a gente vai ter votos… a Raíssa vai conversar com vocês mais à frente um pouquinho”, afirma Kaline.
Raíssa Lacerda recebeu os áudios trocados entre Kaline Rodrigues e o traficante. A vereadora confirma que ouviu todas as mensagens e mandou a funcionária contar para o traficante que ela tinha o apoio de uma liderança da organização criminosa ainda mais forte, que está foragido do sistema prisional.
Kaline pergunta se o traficante é da mesma facção que o contato dela. “Se não for, Deus me livre”, comenta a funcionária. Raíssa não responde, mas Kaline conta para o traficante sobre o apoio. Ele responde a funcionário com um áudio:
No trecho final da conversa, o traficante pede para Kaline Rodrigues ficar tranquila porque ele apaga todas as conversas, e garante que vai conseguir “voto com força” para Raíssa Lacerda. O líder também reforça que vai conversar com a candidata a vereadora concorrente.
“Mas vai dar certo, nós vai na luta aí e nós vai arrumar voto com força pra ela, pode ter certeza, pessoal da beira da linha aqui, de vez em quando vai muito na cabeça desses outro povo aí, tá ligado? Que vem dá uma de dois, essa [candidata] isso e aquilo, mas demora só chegar no pessoal e trocar uma ideia assim, conversar um pouco, e se eu ver ela, ela não desce aqui mais não, pode ter certeza disso, vou arrumar uma forma de chamar atenção dela aqui, pra ela nunca mais nem descer nem descer aqui”, afirmou.
A Polícia Federal afirma que a conversa tem como objetivo beneficiar Raíssa Lacerda através do controle de território no Alto do Mateus e coação para o voto. Ainda segundo a PF, o controle territorial do traficante é reafirmado e colocado à disposição de uma campanha eleitoral em troca de facilidade de acesso aos bens públicos.
A investigação também destaca que está claro que Kaline e Raíssa tinham consciência que estavam conversando com um traficante e contavam com seu controle sobre aquele território.
Pollyanna Monteiro Dantas dos Santos é suspeita de pressionar moradores do bairro São José para determinar em quem eles devem votar. O advogado Aécio Farias, da defesa de Pollyana, informou que ela “nega veementemente qualquer conduta ilícita” e que também entrou com um pedido de habeas corpus.
Taciana Batista do Nascimento era usada para exercer influência na comunidade e é ligada ao centro comunitário Ateliê da Vida. O advogado Felipe Pedrosa, que representa Pollyanna e Taciana, disse que ambas colaboraram com a Justiça e que as prisões preventivas vão desnecessárias. A soltura delas foi solicitada à Justiça.
Kaline Neres é articuladora de Raíssa Lacerda no Alto do Mateus e suspeita de ter ligação com facções do bairro. O advogado Emanuel de Alcântara, responsável pela defesa de Kaline, informou que “não tem nenhum material comprobatório que incrimine e nem que caracterize os crimes incrutados a ela”. A defesa comunicou também que entrou com um pedido de habeas corpus.
A assessoria de Raíssa Lacerda informou por meio de nota que acordou perplexa e consternada com a prisão da vereadora e reiterou a inocência dela. “Como dito anteriormente, Raíssa não possui nenhuma ligação com as pessoas que foram citadas no processo da operação ‘Território Livre’ e a verdade virá à tona e será esclarecida”. O g1 tentou contato com a defesa dos demais envolvidos, mas não obteve resposta.
A defesa de Keny Rogeus preferiu não se manifestar.
O homem apontado como “gerente do tráfico” do Alto do Mateus, David Sena de Oliveira, também teve mandado de prisão preventivo expedido. Ele está foragido.
A operação é batizada de “Território Livre”, em referência à liberdade que os eleitores devem ter de ir e vir e também de exercer o seu voto. No dia 10 de setembro, uma primeira etapa da operação já tinha sido realizada. Naquele dia, três mandados de busca e apreensão foram cumpridos e R$ 35 mil em dinheiro foram apreendidos.
Naquela oportunidade, Raíssa já era alvo da operação, porque um dos mandados de busca aconteceu na residência da vereadora. Ela alegou à época que era vítima de perseguição.
Na atual legislatura, Raíssa Lacerda ficou como suplente, mas assumiu a titularidade da vaga deixada pelo vereador Professor Gabriel, que morreu no fim de maio deste ano devido a complicações decorrentes de um acidente vascular cerebral isquêmico. Antes de retornar à Câmara Municipal, Raíssa era secretária-executiva de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de João Pessoa.
Ela foi presa dois dias antes da proibição de prisão de candidatos estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitor (TSE) durante o período eleitoral. A partir deste sábado (21), candidatos não podem ser presos, salvo no caso de flagrante delito.
Aliciamento de eleitor é a prática adotada por candidato, partido ou correligionário que consiste na tentativa de convencer o eleitor, utilizando-se de meios ilegais, a votar em candidato ou partido diferente daquele em que naturalmente votaria, não fosse a ação de convencimento.
O aliciamento é crime eleitoral, e é punível com detenção de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a 15 mil UFIRs.