Líder das Ligas Camponesas foi preso e desapareceu durante a ditadura: ‘Eu não tive esse corpo para sepultar’

Pedro Inácio de Araújo, ou Pedro Fazendeiro, não teve desaparecimento solucionado até os dias atuais — Foto: TV Cabo Branco
Pedro Inácio de Araújo, ou Pedro Fazendeiro, não teve desaparecimento solucionado até os dias atuais — Foto: TV Cabo BrancoNeide Araújo é filha de Pedro Inácio e relembra período em que a ditadura perseguiu o pai — Foto: TV Cabo BrancoIranice Muniz foi integrante da Comissão Estadual da Verdade, que analisou o período da ditadura na Paraíba — Foto: TV Cabo Branco15º Regime de Infantaria, localizado em João Pessoa, foi o local em que Pedro Fazendeiro ficou preso pelo exército durante a ditadura, antes de desaparecer — Foto: TV Cabo Branco

Por g1 PB — Pedro Inácio de Araújo, mais conhecido como Pedro Fazendeiro, foi um líder de Ligas Camponesas na Paraíba durante o período da ditadura militar. Preso por conta da atuação em defesa dos direitos dos trabalhadores, ele foi preso, desapareceu e, até os dias atuais, não se tem certeza de como ele realmente morreu.

Este é o tema do último episódio da série ‘Memórias da Repressão’, do JPB2, em que o repórter Hebert Araújo resgata histórias de pessoas que viveram na pele as atitudes opressoras da ditadura militar na Paraíba. A produção faz parte da memória sobre os 60 anos do Golpe Militar.

Natural da cidade de Itabaiana, no Agreste paraibano, Pedro era considerado pelos familiares e amigos como uma pessoa que se compadecia com causas humanitárias e, por conta disso, desde cedo se engajou na luta política alcançando o posto de liderança em Ligas Camponesas. A filha dele, Neide Araújo, relatou a personalidade do pai.

As Ligas Camponesas eram organizações que reuniam trabalhadores da agricultura engajados em movimentos sociais na luta por direitos. Entre uma das reivindicações da Liga na qual Pedro fazia parte estava o combate ao sistema de trabalho chamado de “cambão”.

“No cambão, não tinha remuneração real. O proprietário dava, para morar naquela terra, dois, três dias de trabalho de graça, e os outros eram compensados, mas gastavam no barracão do patrão”, explicou Iranice Muniz, uma das integrantes da Comissão Estadual da Verdade, que levantou informações sobre o período da ditadura na Paraíba.

Por conta desse tipo de proposta, trabalhadores do campo e os donos de terra estavam em lados opostos no que diz respeito aos interesses políticos. Isso proporcionou diversos conflitos, inclusive com integrantes das Ligas Camponesas sendo mortos, já que a ditadura estava do lado dos proprietários. Pedro Fazendeiro foi um dos perseguidos nesse embate entre as forças.

Pedro ficou cerca de quatro meses preso após ser levado para a prisão naquele dia. A filha relatou que Pedro não estava confortável ao estar no mesmo ambiente de outros camponeses, porque sua figura era um grande alvo para os agentes do regime e que sua presença colocaria em risco a vida de familiares e companheiros.

No momento de sua prisão, em abril de 1964, inclusive, ele disse que confiava na instituição do exército e que, por isso, estava se entregando para a polícia. Pouco tempo depois, ele foi liberado do 15º Regime de Infantaria. No entanto, mesmo após essa liberação, ninguém entre familiares e amigos conseguiu ver Pedro novamente.

Até os dias atuais, mesmo com o trabalho realizado de levantamento de dados e também de entrevistas de testemunhas e pessoas chave na ditadura, a Comissão Estadual da Verdade não cravou as causas do desaparecimento de Pedro Fazendeiro, que permanecem sem respostas até hoje.

Na cidade de Alcantil, perto de Campina Grande, alguns dias depois do desaparecimento de Pedro, corpos irreconhecíveis foram encontrados. Um jornal paraibano da época foi cobrir o aparecimento desses cadáveres e publicou a notícia.

Ex-companheiros de Pedro, que estiveram com ele no 15º Regime de Infantaria viram a matéria e, por uma foto de um dos corpos com um short específico, cogitaram que o cadáver era de Pedro. Essa versão nunca foi comprovada oficialmente.

“Ouviram falar de corpos encontrados em Alcantil. Eles (os jornalistas) foram lá para cobrir. Tinha um dos corpos que tinha um short que quando os presos que estavam com Pedro no 15-RI viram a foto daquele corpo no jornal, disseram que esse era o corpo de Pedro. Durante a ditadura, eles faziam muito isso. Matavam, deixavam o corpo no lugar e depois retiravam o corpo e levavam para outro lugar”, afirmou Waldir Porfírio, presidente da Comissão Estadual da Verdade na Paraíba.

Depois do desaparecimento de Pedro, a família também sofreu com a mão pesada da ditadura, isso porque apoiadores do regime isolavam a família dos ciclos sociais, os chamando de “comunistas” e os filhos de Pedro também não conseguiam matricular-se em escolas.

“O desaparecimento é uma tortura para os familiares. É esperar aquilo que nunca viu, que não vem”, disse Iranice Muniz, sobre o impacto de desaparecimentos, como o de Pedro, aos entes queridos de vítimas da ditadura.

Até os dias atuais, não se sabe de fato o que aconteceu com Pedro Inácio de Araújo. A filha dele, Neide, conta que essa dúvida foi para o túmulo com a mãe.