Professora presa pela ditadura relembra a dor da tortura na Granja do Terror: ‘Eu gritava até não poder mais’

Professora aposentada Maura Ramos relembra passado de tortura na ditadura militar — Foto: TV Cabo Branco
Professora aposentada Maura Ramos relembra passado de tortura na ditadura militar — Foto: TV Cabo BrancoGranja do Terror foi um dos principais pontos de tortura utilizados pela ditadura na Paraíba — Foto: TV Cabo BrancoCarta foi rememorada por Maura Ramos; Mãe pediu para prefeito de Recife liberar filha — Foto: TV Cabo BrancoLúcia Guerra foi integrante da Comissão Estadual da Verdade, que analisou período da ditadura militar na Paraíba — Foto: TV Cabo Branco

Por g1 PB — A professora aposentada Maura Pires Ramos, de 87 anos, é uma entre tantas vítimas da ditadura militar na Paraíba. Ela foi presa e torturada em um local que ficou conhecido como ‘Granja do Terror’, em Campina Grande, durante a década de 1970. Mesmo passado tempo, Maura não apaga da memória os horrores sofridos e relata os momentos de violência e angústia ocorridos enquanto esteve presa.

Esta é o primeiro episódio da série ‘Memórias da Repressão’, do JPB2, em que o repórter Hebert Araújo resgata histórias de pessoas que viveram na pele as atitudes opressoras da ditadura militar na Paraíba. A produção faz parte da memória sobre os 60 anos do Golpe Militar de 1964.

Natural de São João do Cariri, município que, como o próprio nome indica, é localizado na região do cariri paraibano, a professora Maura Pires Ramos, hoje aposentada, aos 87 anos, começou a cursar letras em 1967, na Universidade Regional do Nordeste em Campina Grande, atual UEPB. Formou-se também em Pedagogia, pela UFPB.

A vocação para educação foi herdada da sua mãe, com a qual mantinha a Escola Pequeno Príncipe, na Paraíba, e desde cedo fez parte de movimentos estudantis que reivindicavam melhores condições para trabalhadores de várias áreas.

De acordo com o relatório final da Comissão Estadual da Verdade da Paraíba (CEV-PB), que foi publicado em 2017, a Granja do Terror era uma propriedade privada que foi cedida para o Estado.

Ao longo da década de 1970, dezenas de pessoas foram presas em Campina Grande de forma aleatória e levadas para a Granja do Terror. Sem nenhum tipo de autorização judicial ou mandado de prisão que justificasse a detenção. Maura foi uma destas vítimas da repressão.

Durante 12 dias, Maura Ramos ficou presa e isolada do mundo exterior no ponto em que a ditadura estabeleceu como “local de abate” na Paraíba, a Granja do Terror. Desde o rapto, que aconteceu na saída da escola em que ela trabalhava, até o cárcere, a professora conta os momentos de tensão com a ação da ditadura.

“Rodaram muito pra poder chegar e quando chegou lá (na granja), ainda era ele segurando na gente pra poder andar e saber por onde ia, porque era um capuz. Aí começaram a torturar. Eles mandaram eu tirar minha roupa, aplicaram choques elétricos nos seios, nas orelhas, nos cantos mais sensíveis”, relatou Maura.

Depois das inúmeras torturas que aconteceram em Campina Grande, a professora foi transferida para o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de Recife, que ficava na sede do 4º Exército. E por lá as torturas continuaram.

Para ajudar a filha que estava em cárcere, a mãe chegou a escrever cartas para diferentes autoridades, entre elas o então prefeito de Campina Grande, Evaldo Cruz, pedindo que poupassem a vida da mulher.

Um trecho do que se tornou um documento histórico mostra a enorme comoção pela qual a mãe de Maura teve que apelar para a ditadura não atentasse, ainda mais, sobre a vida da filha.

Após a clemência da mãe e das torturas, a professora foi posta em liberdade. No entanto, o controle imposto pela ditadura foi colocado como método para que as torturas, dessa vez psicológicas, continuassem. A professora contou que recebeu várias ligações na escola em que trabalhava para intimidá-la e também teve como “carrasco” um “doutor” que mantinha contato regular com ela.

Em outra ligação que marcou a história de Maura, o torturador pediu que ela assinasse o nome em uma folha em branco, para que depois, os agentes do regime pudessem complementar o documento com as informações que bem entendessem.

“Teve outra vez que ele ligou pra mim e disse: olhe entraram as férias da escola, mas você vai ficar aí os 30 dias de férias. Você vai todo dia e volta às 5 horas da tarde”, contou.

Sobre todas as experiências negativas vividas por Maura, a vítima do regime militar contou que até hoje, mesmo passado tanto tempo dos acontecimentos, a memória dos dias ruins ficou impregnada no psicológico dela.

Ela também destacou o papel fundamental dos alunos dela em sala de aula, que foram a válvula de escape dessa realidade entre torturas físicas e mentais.

A integrante da Comissão Estadual da Verdade (CEV), Lúcia Guerra, comentou também que as torturas foram uma espécie de forma para a ditadura controlar as pessoas e entrar na mente delas.

“Também havia tortura continuada, era uma tortura que se expandia para a família, se expandia para os momentos posteriores a prisão das pessoas”, disse a integrante da CEV.

Lúcia Guerra também acrescentou sobre os estragos que a ditadura militar cometeu com as pessoas torturadas e suas famílias, destacando que isso era uma política operacional do regime, na forma de agir e de proceder no tratamento com os perseguidos.

“Os militares brasileiros passaram por uma formação dos Estados Unidos. Houve toda uma preparação dos militares na escola superior para ensinar como se torturar, como conseguir informações”, disse.

Maura ainda destacou que as marcas nunca vão ser apagadas, mesmo após a liberação com o término da ditadura militar. Mas como professora que era, sabe da importância de manter a lembrança do passado nefasto para que o futuro não repita os mesmos erros.