Debatedores defendem mudanças na lei para conter poluição da água no DF

Mesa:
diretora de Planejamento e Administração do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Maria Silvia Rossi, em pronunciamento;
presidente da CMA, senadora Leila Barros (PDT-DF), conduz audiência;
professor de Geofísica da Universidade de Brasília (UnB), José Vicente Elias Bernardi;
coordenador da Associação Guardiões das Águas Emendadas (GAE), Marcelo Benini.
De acordo com os participantes, a legislação está defasada quanto aos materiais poluentes Edilson Rodrigues/Agência Senado

Por Agência Senado — Pesquisadores e representantes de órgãos públicos defenderam nesta quarta-feira (27) a atualização da legislação ambiental como estratégia para reduzir a contaminação das águas no Distrito Federal. O assunto foi tema de um debate na Comissão de Meio Ambiente (CMA), proposto pelos senadores Leila Barros (PDT-DF), presidente do colegiado, e Jorge Kajuru (PSB-GO).

Para Leila Barros, a água no Distrito Federal “enfrenta sérias ameaças de contaminação e redução de disponibilidade”. A senadora destacou que o Cerrado desempenha “um papel fundamental na regulação hídrica” do Centro-Oeste e de outras regiões do país.

— O desmatamento do Cerrado, a ocupação desordenada do solo e a poluição dos nossos rios e mananciais são questões urgentes que demandam nossa atenção e ação imediata. Devemos reafirmar nosso compromisso com a proteção desses recursos e redobrar nossos esforços para garantir a segurança hídrica para as futuras gerações do nosso “quadradinho” — disse a presidente da CMA.

O professor José Francisco Gonçalves Júnior, do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), analisou a saúde de 52 rios do Distrito Federal. De acordo com o pesquisador, os mananciais “têm o processo de envelhecimento acelerado em função do desgaste ambiental”. Segundo o professor, a legislação em vigor não é capaz de proteger os rios contra a poluição por determinadas substâncias.

— Talvez a gente precise rever nosso arcabouço legal federal para dar mais suporte aos estados. Se a lei federal tem algumas falhas, essas falhas acabam reverberando nos estados. Existem compostos químicos que ainda não estão previstos em lei. Os metais têm previsão. Mas os fármacos não têm e os microplásticos não têm. Existe todo um grupo de contaminantes emergentes descritos em literatura científica que o nosso arcabouço legal ainda não [contempla] — explica.

Poluentes persistentes

Além dos poluentes artificiais, também preocupa a presença de substâncias biológicas que resultam do cotidiano. A diretora de Planejamento e Administração do Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Maria Silvia Rossi, alerta para a presença de contaminantes identificados em mananciais do Distrito Federal, cujo controle não está previsto em lei federal. Ela destaca, no entanto, que a proteção contra esses poluentes deveria ser imposta por normas locais.

— Que contaminantes são esses? Boa parte diz respeito ao nosso modo de vida. Hormônios femininos, que saem na urina. A Caesb (Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal) não trata. Não tem a prerrogativa de tratar. Não tem como retirar esses hormônios. A gente volta com eles na água. Hormônios animais, de carnes que a gente come. Não trata. Metais pesados de óleos dos caminhos e pneus. Tem chumbo aí. Vai tudo para o Lago Paranoá, e a gente vai beber essa água — exemplificou.

O superintendente de Recursos Hídricos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), Gustavo Antonio Carneiro, também defendeu a atualização da legislação ambiental.

— Apesar de ter sido bastante inovadora para a época, a lei já carece de inovações. A gente tem novos poluentes, poluentes persistentes, hormônios, fármacos e uma série de outros contaminantes que estão no nosso ciclo do dia a dia: uso da água, descarte, reutilização da água, descarte. Como a gente vai tratar isso? Como a gente vai adaptar nossas tecnologias e estações de tratamento? Tudo isso precisa de avanço — salientou.

Águas Emendadas

O professor José Vicente Bernardi, do programa de pós-graduação em Ciências Ambientais da Universidade de Brasília (UnB), coordena um estudo sobre o impacto da contaminação por mercúrio na Estação Ecológica Águas Emendadas (Esecae). O local é uma das mais importantes reservas naturais do Distrito Federal por abrigar um fenômeno único: a união de duas grandes bacias da América Latina — a Tocantins/Araguaia e a Platina.

A Esecae é margeada por uma rodovia federal (BR-020) e quatro distritais (DFs 128, 131, 205 e 345). Segundo Bernardi, a presença de metais tóxicos na área ultrapassa os patamares determinados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

— São metais pesados oriundos da rodovia, do pneu, da combustão, do próprio asfalto. Todos esses metais pesados, todos eles, estão acima do limite estabelecido pelo Conama. Isso vai para o corpo d’água. Não tem como segurar. São vários: arsênio é elevado, cádmio é elevado, mercúrio é elevado. É o legado que a rodovia está deixando — afirmou.

O coordenador da Associação Guardiões das Águas Emendadas (GAE), Marcelo Benini, lembrou que, além das rodovias, a área da Esecae está circundada pela monocultura, o que favorece a contaminação por agrotóxicos.

— É possível um governo permitir que uma unidade de conservação e proteção integral, que abriga um dos fenômenos mais importante do Brasil e da America do Sul, ser rodeada de soja? O que está faltando para o governo do Distrito Federal editar um decreto, ou a Câmara Legislativa aprovar uma lei, para criar uma distância de segurança para a Esecae? O que falta para isso ser feito? — questionou.

Cinturão verde

O padrão de agronegócio e a ocupação desordenada do solo urbano na região também foi apontado como um problema. Ao criticar essa realidade, a coordenadora do Fórum de Defesa das Águas do Distrito Federal, Lúcia Mendes, disse que o impacto da exploração fundiária compromete a qualidade da água.

— Temos repetido ao longo dos últimos anos que o modelo de ocupação urbana e o modelo de agricultura em que tem se investido está condenando este território à morte pela seca. Estamos devastando Cerrado para construir condomínios de luxo em áreas de recarga de aquíferos, sob o argumento de que Brasília tem um deficit habitacional. Mas, nas áreas onde estão querendo colocar esses condomínios, o público que se quer almejar é de classe média alta — afirmou.

O subsecretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, Renato Santana, reconheceu a responsabilidade histórica do poder público na ocupação desordenada do solo. Ele defendeu a criação de “um cinturão verde” em cidades goianas que circundam o Distrito Federal.

— Quando [o ex-presidente da República] Juscelino Kubitschek institui a interiorização do país, o decreto de criação de Brasília previa um cinturão verde. Mas esse cinturão verde virou cidades: Águas Lindas, Pedregal, Novo Gama, Céu Azul, Valparaíso, Santo Antonio do Descoberto. A discussão sobre as águas requer a vinda para dentro deste jogo, imediatamente, deste cinturão de cidades que nos envolve, que impacta o Distrito Federal, sim — disse.