Ativismo contra violência doméstica pauta audiência pública no Legislativo

O debate contou com a presença da bancada feminina do Legislativo Potiguar. — Foto: Eduardo Maia

A Assembleia Legislativa realizou, na tarde desta segunda-feira (11), audiência pública para discutir o tema “21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”. Proposto pela Frente Parlamentar da Mulher, o debate contou com a presença da bancada feminina do Legislativo Potiguar, de representantes de órgãos públicos de nível nacional e estadual, além de membros de entidades da sociedade civil ligadas ao assunto.
Primeira a discursar, a Procuradora da Mulher da Assembleia Legislativa, deputada Cristiane Dantas (SDD), destacou que a violência doméstica acontece em todas as classes sociais, “mas para as mulheres que dependem financeiramente do companheiro, fica mais difícil romper o ciclo de violência”.

“E isso acontece pela dependência econômica, pela falta de recursos, por não ter a passagem de ônibus para ir à delegacia, por não ter com quem deixar seus filhos e pela dificuldade de se separar de quem lhe mantém financeiramente. Então, isso é muito preocupante”, iniciou.

Segundo a parlamentar, com as diversas leis já existentes no Estado, existe um arcabouço jurídico para amparar essas mulheres, a exemplo do Fundo da Mulher Potiguar.

“Recentemente, dentro da Comissão de Finanças, juntamente com a deputada Isolda, nós tivemos um olhar diferenciado quando da votação do Orçamento. Nós fomos buscar recursos junto ao Governo do Estado e a Secretaria das Mulheres, garantindo investimentos para tudo que diz respeito ao enfrentamento da violência contra a mulher. Nós sabemos que não se faz política pública sem recurso; e nós conseguimos o valor de 10 milhões de reais para estruturar essa secretaria, no que diz respeito às políticas para as mulheres. E fizemos em nome de toda a bancada feminina do Legislativo”, ressaltou.

Eudiane Macedo (PV) frisou que as deputadas da Casa têm se preocupado constantemente com a temática.
“E o foco nas políticas públicas em favor das mulheres é uma marca desta Legislatura, que pela primeira vez na história é composta por cinco mulheres. Outro fato importante foi a criação da Procuradoria Especial da Mulher, um órgão extremamente necessário da Assembleia Legislativa, que conta com suporte técnico e estrutural, ofertando, dentre outras ações, atendimento psicológico, social e jurídico, além de orientações à mulher vítima de violência”, disse.

Em seguida, a parlamentar fez um apelo à Procuradoria da Casa Legislativa, para que “trabalhe em prol das cinco deputadas, que muitas vezes têm suas falas interrompidas ou desmerecidas, além de se preocupar também com as servidoras do Legislativo”.

“A defesa dos direitos das mulheres é uma das principais bandeiras do nosso mandato. Exemplo disso é a aprovação de leis que garantem equidade, segurança e qualidade de vida para as mulheres do nosso Estado. Portanto, seguiremos nessa luta, unidas umas às outras, até que um dia nós possamos ir e vir a qualquer lugar da nossa sociedade. O caminho é longo, mas nós não cansaremos. Afinal, a transformação que queremos para o mundo só acontece com a nossa participação. E nós não queremos ser melhores que os homens; nós apenas queremos andar lado a lado com eles. Contem sempre com o nosso apoio. Muito obrigada!”, concluiu.

Na sequência, Divaneide Basílio (PT) prestou sua solidariedade à deputada Isolda Dantas (PT), que recentemente foi vítima de violência política.

“O que a deputada Eudiane falou é muito importante. A gente precisa dar exemplo. Nós não podemos aceitar a reprodução de nenhum tipo de violência. E foi com essa intenção que a gente apresentou o PL que traz o ‘Dia Marielle Franco’, para enfrentar a violência política contra as mulheres como um todo, as mulheres negras e a população LGBTQIA+. É inadmissível que a gente ocupe o Parlamento e seja desrespeitada. Nós já fizemos muitas atividades este ano: campanhas, audiências, sessões solenes, visitas, mas não poderíamos terminar o ano sem fazer um debate para enfrentar a violência contra a mulher. Então, esse momento para nós é sagrado”, reforçou.

Michela Calaça, assessora da Secretaria-Geral da Presidência da República, garantiu que o enfretamento à violência contra as mulheres é uma prioridade central do Governo Federal.

“A política pública para as mulheres e o olhar de enfrentamento às mulheres perpassa toda a Esplanada dos Ministérios. E a secretaria-geral é o órgão responsável pelo diálogo com a sociedade civil e por receber as pautas advindas do povo”, explicou.

De acordo com a assessora, já nos primeiros meses de surgimento da secretaria foi lançada a chamada “Portaria da Igualdade”, a qual institui que todas as comissões e comitês devem ter, no mínimo, 50% de mulheres.
“E isso é importante porque, à medida que as mulheres participam e ajudam na construção das políticas públicas, o seu olhar favorece o protagonismo e a saída da situação de violência. Além disso, a mesma portaria institui o percentual mínimo de 20% de negros e negras nas mesmas comissões, comitês e conselhos”, detalhou.

Segundo Michela Calaça, as principais formas de enfrentamento da violência doméstica são o fortalecimento dos organismos de políticas para as mulheres e a construção de ações de autonomia econômica feminina. “Por fim, eu quero lembrar que o Ministério das Mulheres fez um edital, e o nosso Estado foi contemplado com um projeto de 300 mil reais. Fora isso, outras políticas estão sendo estruturadas junto à Secretaria das Mulheres do RN”, finalizou.

Já a Promotora de Justiça Érika Canuto começou sua fala questionando todos os presentes se eles são realmente ativistas.

“Será que nós estamos sendo ativistas? Será que temos enfrentado mesmo a violência contra a mulher? Quando a gente vê, no meio da rua, ou sabe que uma vizinha, uma colega de trabalho ou de faculdade sofre violência, a gente realmente está fazendo o nosso papel de ativista?”, indagou.

A promotora disse ainda saber o quanto as mulheres são atacadas hoje em dia por mexer nos lugares de poder do Patriarcado. “Estamos vivendo um momento que precisamos nos unir, enquanto mulheres e pessoas que querem realmente enfrentar a violência doméstica e familiar. Por isso nós precisamos cada vez mais nos posicionar com relação aos ataques contra todas as mulheres”, enfatizou.

Para a deputada Isolda Dantas, as mulheres estão sofrendo cada vez mais violência – e de forma muito gratuita – devido à junção do Conservadorismo com o Neoliberalismo, que se alimentam da sociedade desigual. “Nós ainda seguimos numa sociedade profundamente desigual. Nós ainda ganhamos 70% dos salários dos homens; e as mulheres negras ganham muito menos do que isso. E as violências políticas continuam existindo exatamente por conta disso. Nos dizem todos os dias que há um mundo público e um privado. E que o público é para os homens, e o privado é para as mulheres. A gente continua vendo a sociedade dizer que a razão está com os homens e a emoção está com as mulheres. Mas nós, mulheres, alimentamos esse mundo; nós é que fazemos com que esse mundo aconteça”, criticou.

Finalizando seu pronunciamento, Isolda disse que o caminho para enfrentar a violência contra as mulheres é o Feminismo.

“Eu sei que existe muito preconceito com relação ao Movimento Feminista. Dizem que somos muito duras, que todas nós somos lésbicas – o que não é uma ofensa – e que somos muito radicais. Mas o Feminismo não é o contrário do Machismo. Nós não queremos ter o direito de matar os homens; não queremos ver o nosso companheiro ser violentado. Muito pelo contrário. Nós só queremos igualdade. Isso mexe com o privilégio dos homens brancos, o que incomoda bastante. E aí, quando a gente resolve mudar a sociedade, isso tem um preço. Mas esse preço a gente vai pagar, e vamos seguir firmes, construindo um mundo onde todas as mulheres possam ser felizes, possam ser iguais e possam ter a autonomia de decidir suas vidas”, concluiu.

Dando continuidade aos discursos, a parlamentar Terezinha Maia (PL) afirmou que fala não apenas como deputada, mas como mulher, mãe de duas mulheres e cidadã preocupada com o futuro da sociedade.

“Nossas ruas, casas e locais de trabalho infelizmente ainda são palco de uma violência que parece não ter fim. O aumento nos casos de violência contra as mulheres e o feminicídio deixam marcas profundas na nossa sociedade. Cada história de violência é um lembrete de que o machismo estrutural ainda está enraizado na nossa cultura. E essa realidade não é apenas uma estatística. São vidas, sonhos destruídos, famílias desperdiçadas. Como parlamentar, sei bem os desafios da violência política. As barreiras, os comentários, as ameaças. Mas isso tudo só me faz mais determinada a lutar por políticas públicas que promovam a verdadeira igualdade entre homens e mulheres, eduquem contra o preconceito e ofereçam suporte às vítimas de violência”, destacou.

Adriana Vieira, integrante da Marcha Mundial das Mulheres, começou sua fala informando que o seu movimento é feminista e internacional, existindo em mais de 60 países.

“E eu falo aqui exatamente a partir desse chão das lutas e das manifestações que acontecem nas ruas, nos roçados, nas comunidades rurais, nos assentamentos; mas falo também a partir de um movimento que é mundial e internacionalista. Então, o nosso olhar é a partir desse lugar do chão, mas também a partir de uma compreensão de que a violência contra as mulheres é baseada na desigualdade entre homens e mulheres e está articulada pelo Patriarcado e pelo Neoliberalismo, que se aproveita do trabalho das mulheres para enriquecer cada vez mais, inclusive quando as mulheres são violentadas e oprimidas”, repudiou.

Segundo a pesquisadora sobre violência doméstica, feminista e militante, Ana Cláudia, sua pesquisa teve como foco a incidência do Movimento Feminista nas políticas públicas e os desafios do enfrentamento da violência de gênero.
“Nesse contexto, é importante analisar os aspectos tanto objetivos (políticas públicas) quanto subjetivos (o que faz a mulher continuar na situação) da violência doméstica. É necessário pensar ainda a violência contra a mulher nas situações de rua, nas mulheres jovens e nos demais espaços de convivência. Além disso, é essencial que os órgãos públicos se comuniquem entre si, que realizem trabalhos interdisciplinares e promovam atendimento integral às vítimas”, opinou.

Finalizando, a pesquisadora disse que pensar na violência contra a mulher, é pensar no direito humano das mulheres, na democracia plena, nos pactos e espaços construídos coletivamente e pensar que o enfrentamento da violência precisa de espaços legítimos de construção coletiva de políticas públicas.

Na sequência, a delegada de Polícia Civil, Helena de Paula, explicou que seu papel fica mais no plano das ações punitivas, mas é preciso lembrar a importância das ações educativas.

Ela agradeceu ainda o trabalho das parlamentares e dos movimentos das mulheres, que lutam pelo fortalecimento e por uma melhor estruturação das delegacias da mulher.

“A gente sabe que se a delegacia não fizer o seu papel, isso vai ser mais uma barreira para as mulheres. E o que a gente percebe muito é que as mulheres vão à delegacia sem um plano de denúncia. E o que mais elas sentem falta é do acompanhamento pós-denúncia. Com isso, nós acabamos ficando com o trabalho mais limitado, de fazer a parte de acolhimento, de falar os direitos dela, de empoderar essa mulher. Mas como vai ser depois? Por tudo isso é que a gente precisa se articular e construir uma rede forte”, afirmou.

Para a subsecretária da Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH), Wanessa Fialho, é muito bom quando as mulheres se juntam, se fortalecem e pensam em outras perspectivas e caminhos para fazer o enfrentamento da violência.

“Porque esse combate é super complexo, tanto para quem está nos movimentos quanto para as mulheres do cotidiano e para o Poder Público. E esses espaços são muito importantes para fazer com que o trabalho do governo chegue adiante, não só para as mulheres, mas para a própria rede, que nem sempre consegue acompanhar tudo que está sendo implementado e regulamentado. Então, essas campanhas são essenciais, e é por isso que a gente adere a todas, estaduais, nacionais e internacionais”, disse.

De acordo com a subsecretária, não há como pensar em políticas para as mulheres sem pensar no recorte “classe, raça e gênero”.

“Isso porque, se pegarmos os dados de violência, veremos que as mulheres em maior situação de vulnerabilidade sofrem mais violência e têm mais dificuldade de sair da situação, pela dependência financeira e por não conseguirem acessar os serviços e atendimentos públicos”, explicou.

Ao final da audiência, a deputada Divaneide Basílio elencou como encaminhamentos: a realização do curso formativo em abril de 2024, pela Procuradoria da Mulher; a ampliação a oferta de equipamentos públicos para acolhimento de mulheres em situação de violência no modelo “Casa Abrigo”, pactuado com a Femurn; a criação de um memorial com ações e projetos desenvolvidos pelas mulheres da ALRN; a promoção de ações educativas junto à Procuradoria da Mulher, em parceria com as escolas, articulando com o projeto “Maria da Penha Vai às Escolas”; e a divulgação do aplicativo “Salve Elas”.