Análise Inicial do programa Mais Médicos e do Revalida frente à tragédia Yanomami

Os médicos cubanos foram inseridos no mercado de trabalho brasileiro através do Programa Mais Médicos. Foto: Reprodução

Por Síldilon Maia Thomaz do Nascimento e Andréia Alvarenga de Moura Meneses, Migalhas — O título do artigo já traz a pergunta que o originou. No final de janeiro de 2023, o mundo tomou conhecimento da chamada “Tragédia Yanomami”, como visto nas redes sociais e na imprensa, a ser investigada como possível crime de genocídio dos povos originários ocorrido em pleno século XXI.

Descortinou-se a situação a que essa população isolada na Floresta Amazônica, na maior região brasileira habitada por população nativa (que se estende até a Venezuela em área que, somada à brasileira, equivale ao território de Portugal), foi submetida ao longo desses últimos anos: destruição de biomas, desmatamento e alto índice de mortes por desnutrição aguda, malária, contaminação por mercúrio, COVID-19 e doenças sexualmente transmissíveis, além de problemas relacionados ao alcoolismo.

A Pandemia da COVID-19, decretada pela OMS em 11/3/201, trouxe à tona uma urgência inerente à saúde pública, com a necessidade crescente de médicos na chamada “linha de frente” do combate às doenças.

“E os médicos cubanos, onde estão?” – frase repetida quando o público em geral tomou conhecimento da questão que assola um de nossos povos nativos mais representativos e relativamente intocados ressalta como a presença dos médicos cubanos nos rincões mais afastados está no imaginário brasileiro.

Os médicos cubanos foram inseridos no mercado de trabalho brasileiro através do Programa Mais Médicos (PMM), mas pouco se debate sobre as consequências da internalização para os próprios profissionais de saúde intercambistas, que, num primeiro momento, foram autorizados ao exercício da medicina no Brasil, mas ao final do intercâmbio, para poder exercer seu mister em território nacional, devem ser submetidos ao Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos pela Instituição de Educação Superior Estrangeira – REVALIDA.

A investigação é desenvolvida a partir da atual situação do povo Yanomami e traz como hipótese inicial a ampliação do Programa Mais Médicos, definido como Política Pública de Estado, passando pelo redimensionamento da necessidade de revalidação do diploma obtido no exterior pelos médicos cubanos que já trabalharam além do prazo de 3 anos no Brasil pelo PMM, e, ao mesmo tempo, questionando constitucionalmente os seus aspectos jurídicos, que, atualmente, mediante normas infralegais constantes de Editais de Convocação, obstam a participação dos profissionais que não tenham revalidado seus diplomas, compreendendo a interpretação do arcabouço constitucional e legal que envolve a matéria. Essa técnica também será aplicada ao REVALIDA.

Busca-se responder às seguintes questões: os médicos cubanos que integraram o PMM pelo prazo de 3 anos podem exercer a medicina no Brasil? O número de médicos cubanos nessa situação pode oferecer risco à reserva de mercado nacional para o exercício da medicina? Os médicos cubanos na situação mencionada poderiam ser utilizados na emergência de atenção de saúde ao povo Yanomami? O serviço prestado pelo médico intercambista é suficiente para que o seu diploma seja reconhecido pela sociedade brasileira? Apenas a comprovação da prática da medicina é suficiente para atestar a aptidão técnica? A revalidação automática do diploma para os médicos cubanos fere o princípio constitucional de isonomia? O racismo estrutural pode influenciar a tomada de decisão com relação ao tema? Por que os médicos cubanos simplesmente não se submetem ao REVALIDA, como fazem os brasileiros graduados em Medicina que inundaram as Faculdades do Paraguai e da Bolívia, em geral filhos da classe média alta? Os médicos cubanos seriam obrigados a atender às populações nativas brasileiras como condição para permanecerem no Brasil?

Esta é apenas a primeira parte de mais questionamentos que se desdobram à medida em que avançaremos no estudo. No segundo artigo (Parte II), serão analisados os aspectos constitucionais e do bloco de legalidade que envolve a matéria.

O Programa Mais Médicos foi instituído pela Lei 12.871/20132 e visava à melhoria do ensino superior da Medicina e do atendimento à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS), levando médicos para regiões com escassez ou ausência de profissionais médicos e, a princípio, interioranas. Nessa fase inicial do PMM, os médicos intercambistas não necessitavam ter registro no CRM para o exercício da Medicina, pelo prazo de até 3 anos3, prorrogável.

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