No JN, Lula não presta contas do passado nem se compromete com o futuro

Lula começou a entrevista nervoso, com a perna balançando, o rosto fechado, mas aproveitou o treinamento que Jair Bolsonaro, por arrogância, dispensou na véspera do JN. — Foto: Reprodução

Lula não é o presidente instalado no Planalto em busca de reeleição. Na pele de desafiante, viveu o doce sabor de ser pedra — não vidraça — na entrevista do JN nesta noite. O conforto da conversa com Bonner e Renata Vasconcelos ficou evidente quando o tempo acabou. “Nunca vi 40 minutos passarem tão rápido”, disse Lula.

O tempo teria passado mais devagar se o petista tivesse sido questionado sobre as obras das empreiteiras do governo no Sítio de Atibaia ou sobre o elevador que a OAS instalou no tríplex para que ele usasse o imóvel. As delações de amigos do peito como Antonio Palocci, que revelaram uma vida de mordomias bancadas por empreiteiras, também tornariam mais incômodo o passeio.

Lula foi questionado logo de saída por Bonner sobre a corrupção nos governos do PT. A pergunta não promoveu um ajuste de contas com o passado — sempre negado pelo PT –, mas abriu uma confortável visão ao futuro: o que o senhor vai fazer para evitar que se repita?

Lula começou a entrevista nervoso, com a perna balançando, o rosto fechado, mas aproveitou o treinamento que Jair Bolsonaro, por arrogância, dispensou na véspera do JN. Sem cerimônia, Lula leu respostas e citou dados do roteiro que levou com ele. Estava melhor preparado para usar bem o tempo que teria.

Falou olhando para câmera, ironizou o “amigo” de Bolsonaro na PGR e os 100 anos de sigilo impostos em escala industrial pelo governo sempre que algum podre surge. Marcou distância entre o seu tratamento em relação à Polícia Federal e o dispensado atualmente por Bolsonaro.

Lula elogiou Dilma sem ter sido incomodado com uma pergunta sobre a quase ruptura com ela no auge da Lava-Jato ou sobre como ele queria voltar em 2014 e Dilma vetou. Lula falou do prejuízo da Petrobras com a Lava-Jato sem ter sido questionado sobre os bilhões roubados pelo PT nas diretorias da estatal, com propinas que giravam entre 1% e 3% e eram destinadas também ao PP e ao velho PMDB.

Lula não foi provocado a explicar por que ainda está no partido de João Vaccari Neto e José Dirceu. A roubalheira operada por eles nem o melhor dos advogados conseguiu derrubar. Dirceu terá espaço no novo governo? Ou será o lobista que lucrou milhões no governo de Dilma?

Ciro Gomes disse em diferentes momentos na pré-campanha: foi a roubalheira do PT que produziu Bolsonaro em 2018. Lula não foi questionado sobre o antipetismo que cresceu, sobretudo, pelos meses de campanha do tal “Lula livre”.

Lula disse livremente que o MST não invadiu propriedades produtivas e não foi confrontado por quebradeiras em fazendas, fábricas e até no Congresso, em Brasília. Lula chamava o MST de “Exército” quando quem fazia discurso autoritário era a esquerda. O petista não foi questionado sobre os bilhões enviados a ditaduras como Cuba, Venezuela e tantos outros países.

Lula falou o que quis, não respondeu objetivamente as perguntas e foi pouco interrompido. A entrevista fluiu de forma mais amistosa, virou conversa e discurso em alguns momentos e deu ao petista uma generosa vitrine eleitoral. Lula falou sobre propostas, não se comprometeu com nada do que foi provocado a se comprometer e ainda escapou de responder a perguntas por falas como as que atacaram policiais, que abordaram a questão do aborto e trataram de forma lamentável a violência contra a mulher. É sempre mais fácil assistir e analisar do que fazer, claro, mas foi um passeio no parque.

Radar – Veja