Marília Mendonça reina como intérprete em EP póstumo gerado de live feita no clima sentimental dos cabarés

Capa do EP 'Decretos reais vol. 1', de Marília Mendonça — Foto: Divulgação

Por G1 — ♪ O lançamento póstumo do EP Decretos reais vol. 1 na noite de hoje, 21 de julho, véspera do 27º aniversário de Marília Mendonça (22 de julho de 1995 – 5 de novembro de 2021), é a primeira de muitas ações orquestradas pelos herdeiros da artista goiana com gravadora Som Livre e com a empresa Work Show para manter a cantora entronizada na preferência popular um ano após a morte precoce em acidente de avião.

O disco traz para a discografia oficial de Marília cinco músicas cantadas pela artista em 15 de maio de 2021 na live Serenata, feita com banda e já disponível na íntegra, na internet, mas até então em registros informais.

O primeiro recorte fonográfico da live Serenata é interessante porque perpetua Marília como intérprete de músicas popularizadas no universo sertanejo antes de a compositora renovar o gênero musical ao longo dos anos 2010 com letras escritas sob ótica explicitamente feminina então ausente nos cancioneiros autorais de antecessoras como Roberta Miranda e Paula Fernandes.

Em que pese essa diferenciada visão feminina, Marília Mendonça sempre deu a voz grave a um estilo de música bem tradicional. São canções sentimentais que atravessam décadas na memória popular, rotuladas como bregas ou cafonas pelas elites culturais. Pois é essa Marília assumida e orgulhosamente brega que é revivida ao longo das quatro faixas do EP Decretos reais.

É nítido o prazer com que Marília canta e veste de bolero uma música lançada na voz do também goiano cantor Leonardo há 20 anos, Te amo demais (César Lemos e Karla Aponte, 2002). Com a sonoridade típica dos cabarés e vitrolões que sobrevivem Brasil afora, Te amo demais ressoa com a alma de Marília e se impõe como o possível grande hit do EP.

“Eu sou do tipo que não vive de aparências / Quando eu amo, eu amo mesmo sem medir as consequências”, ressalta a cantora, devorada pela paixão, através dos versos de Não era pra ser assim (Cláudio Noam e Lucas Robles, 2003), canção apresentada ao Brasil nas vozes da dupla Zezé Di Camargo & Luciano. A faixa ratifica o tom desbragadamente romântico do disco.

Sucesso do cantor cearense Genival Santos (1943 – 2014) em gravação de 1976 que reverberou pelo nordeste do Brasil ao longo de 1977, Sendo assim (Jacinto José) é, das cinco músicas do EP Decretos reais vol. 1, a que mais se ajusta ao som e ao clima de um cabaré.

Contudo, resultou sem liga a junção de Sendo assim com Muito estranho (Cuida bem de mim) (Dalto e Cláudio Rabello, 1982) em medley na live. Sucesso nacional na voz do próprio Dalto há 40 anos, Muito estranho é balada pop romântica trazida por Marília para o universo sertanejo em arranjo abolerado.

Em outra escolha surpreendente, a cantora dá voz ao maior sucesso de Ovelha, nome artístico do cantor pernambucano Ademir Rodrigues de Araújo. Trata-se da canção Te amo, que mais posso dizer? (1981), versão em português, escrita por J. Oliveira, de More than I can say (Sonny Curtis e Jerry Allison, 1960). O hit de Ovelha entra no mesmo clima de cabaré em que está ambientado o EP Decretos reais vol 1.

Com o canto despudorado, sem medo de soar brega a ouvidos mais refratários ao universo derramado da canção sentimental brasileira, Marília Mendonça reina como intérprete neste disco póstumo.