‘Tem que manter isso, viu?’: Justiça tranca investigação contra Eduardo Cunha por áudio sobre suspeita de propina

Inquérito aberto em 2017 apurava gravação de conversa entre ex-presidente Michel Temer e empresário Joesley Batista, em que citavam supostos pagamentos indevidos a Cunha — Foto: Eraldo Peres/AP

G1 DF — O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) determinou o trancamento de um inquérito da Polícia Federal contra o ex-deputado Eduardo Cunha, por suspeita de recebimento de propina. Com a determinação, a investigação não pode prosseguir. A decisão foi tomada pela 3ª Turma do TRF-1, em sessão em 22 de junho, mas só foi publicada nesta quarta-feira (13).

A decisão não significa uma absolvição de Eduardo Cunha. Isso porque sequer houve apresentação de denúncia à Justiça nesse caso específico. Mas indica que o inquérito contra o ex-deputado deve ficar paralisado, sem novos andamentos.

A investigação, aberta em 2017, apurava uma gravação de conversa entre o empresário Joesley Batista e o ex-presidente Michel Temer, na qual Temer aparece dizendo: “Tem que manter isso, viu?”. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a fala seria relativa a pagamento de propina a Eduardo Cunha.

Em 2019, o ex-presidente foi absolvido de uma acusação de obstrução de Justiça, referente ao caso. Eduardo Cunha, então, pediu uma extensão desses efeitos para interromper a investigação contra ele, sob a alegação de que a base de fundamentação do inquérito é a mesma do processo contra Temer. Por unanimidade, os desembargadores da 3ª Turma do TRF-1 acolheram o pedido.

Até a última atualização desta reportagem, o g1 não tinha conseguido contato com a defesa de Eduardo Cunha nesta sexta-feira (15).

Decisão da Justiça

Ao analisar o caso, o relator do caso, desembargador Ney Bello, entendeu que “não há dúvida, portanto, de que se trata de fatos processuais que possuem a mesma origem, e de circunstâncias que se comunicam, pois estão relacionadas ao mesmo diálogo ocorrido entre Joesley Batista e Michel Temer”.

“Os fundamentos para a absolvição sumária de Michel Temer estão diretamente atrelados à péssima qualidade da captação do áudio, principal prova do crime, bem como à forma das respostas dadas por Michel Temer e ao relatório da degravação feito no âmbito da Procuradoria-Geral da República, todos no sentido de que não são conclusivas acerca da materialidade e autoria delitivas”, diz na decisão.

“No que diz respeito a Eduardo Cunha, a mesma prova, que se mostrou frágil e insuficiente para determinar o prosseguimento da persecução penal contra Michel Temer, também constitui fundamento essencial para reconhecer a impossibilidade da continuidade das investigações contra o ora requerente, por ausência de indícios mínimos de materialidade delitiva”, continua.

Argumentos

No pedido de extensão dos efeitos da absolvição, Eduardo Cunha afirmou que a investigação contra ele e o processo no qual Temer foi absolvido “possuem inequívoca similitude fática processual, uma vez que ambos estão baseados no conhecido diálogo ocorrido entre Michel Temer e Joesley Batista, gravado por este último e no qual está descrito que Michel Temer faz a afirmação ‘tem que manter isso daí’, em referência à manutenção do pagamento mensal de propina a Lúcio Funaro e Eduardo Cunha, para que não firmassem acordo de delação premiada”.

Segundo a defesa do ex-deputado, não havia justa causa para a manutenção da investigação, “tendo em vista o reconhecimento de que o diálogo gravado por Joesley Batista não se mostrou suficiente para justificar a continuidade da persecução penal”.

Já o Ministério Público Federal defendeu a manutenção do inquérito da PF. Segundo o órgão, apesar das semelhanças na origem do caso, “as situações fático-processuais de Michel Temer e Eduardo Cunha são distintas”.

“E não é difícil perceber isso: Michel Temer foi denunciado pelo MPF como incurso nas sanções do art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013, a denúncia foi recebida, após, ele foi absolvido sumariamente, essa Turma, então, manteve a absolvição sumária e, por fim, o órgão ministerial de segunda instância interpôs recurso especial contra o acórdão respectivo; Eduardo Cunha, por sua vez, é mero investigado, em inquérito policial cuja tramitação está suspensa”, argumentou o MPF.

Acusação contra Temer

O ex-presidente Michel Temer foi denunciado em 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em razão de uma conversa gravada pelo empresário Joesley Batista, do grupo J&F.

Segundo Janot, a fala de Temer “tem que manter isso, viu?” era uma tentativa de silenciar o operador Lúcio Funaro e o ex-deputado Eduardo Cunha, presos na Lava Jato. O ex-presidente sempre negou a acusação.

Quando Temer deixou de ser presidente em 2019, o processo parou de tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF) e passou a correr na primeira instância da Justiça. Isso porque Temer perdeu o direito ao chamado foro privilegiado.

O juiz Marcos Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal Criminal de Brasília, absolveu Temer sob argumento de que o diálogo não indicou o cometimento de crime por parte do ex-presidente. A força-tarefa da operação Greenfield na primeira instância recorreu da decisão ao TRF-1. No entanto, em 2020, a absolvição foi mantida em segunda instância.