Após estupro e aborto, mãe de menina de 11 anos desabafa: ‘Eu deveria responder por ela, não ela’

Declaração foi dada em audiência de custódia — Foto: Reprodução

Por Fantástico — A repórter Renata Capucci entrevistou com exclusividade a mãe da criança estuprada em Santa Catarina. Uma mulher que se viu impotente diante da indiferença da Justiça.

“Depois de tudo que a gente passou, eu vendo a minha filha bem hoje, eu me sinto aliviada”, diz a mãe.

Nós conversamos com a mãe da menina enquanto a filha, de 11 anos recém-completados, ainda estava no hospital.

Renata Capucci: Como é que ela está de saúde? Correu tudo bem?

Mãe: Correu tudo bem, sim. Eu estou grata pela saúde da minha filha, que está bem por um pouco de justiça, porque ela é uma criança. Eu não vou falar para a senhora que eu estou feliz. Não estou feliz. A gente está passando por um processo bem complicado ainda.

O procedimento foi feito esta semana no Hospital Universitário de Florianópolis. A mesma unidade para onde a criança foi levada pela mãe quando tinha 22 semanas e dois dias de gestação, pouco depois que a família descobriu a gravidez. Na ocasião, o aborto não foi realizado. Foi aí que começou uma batalha judicial para que a lei fosse cumprida.

No início de maio, assim que a gravidez da criança foi confirmada, a mãe levou a filha ao Conselho Tutelar de Tijucas. Depois, mãe e filha foram ao Hospital da Universidade Federal de Santa Catarina, referência para procedimentos de interrupção da gestação em casos de estupro. A menina, na ocasião ainda com 10 anos, fez todos os exames.

O hospital pediu autorização à Justiça porque segue o protocolo de normas técnicas do Ministério da Saúde, que define como aborto a interrupção da gestação até 21 semanas e seis dias quando se trata de vítima de estupro.

O artigo 128 do Código Penal garante o aborto em caso de gravidez resultante de estupro.

Depois de receber a mãe e a menina, o conselho tutelar comunicou ao Ministério Público da Vara da Infância e Juventude sobre a ocorrência de gravidez envolvendo uma criança vítima de estupro. Como a vítima tem menos de 14 anos, a lei diz que é “estupro de vulnerável”. O conselho tutelar também encaminhou o caso ao juiz criminal.

“Se o juiz criminal é o competente para a matéria, seja de crianças e de adolescentes, seja mulher, é um crime de estupro. Então, quem decide pelo interrupção da gravidez, dependendo da situação, é o juiz criminal”, diz a advogada em defesa da família.
Antes que o juiz criminal se manifestasse, o Ministério Público solicitou que a menina fosse levada a um abrigo, alegando a proteção da criança, e a juíza da Vara da Infância acatou o pedido. Quando o juiz criminal decidiu que o hospital poderia fazer o aborto, ela já estava separada da mãe.

Durante a audiência para definir se a criança poderia voltar para casa, a então juíza titular da Vara da Infância e Juventude da cidade de Tijucas, Joana Ribeiro, não autorizou que a criança deixasse o abrigo. É dela a voz na gravação obtida pelo site “The Intercept Brasil” numa reportagem em parceria com o “Portal Catarinas”, publicada esta semana.

O aborto legal já havia sido autorizado pelo juiz criminal. A audiência era somente para decidir se a menina poderia deixar o abrigo. No entanto, a juíza Joana Ribeiro questiona se a criança, então com 10 anos, vítima de estupro, quer manter a gravidez. A promotora Mirela Dutra Alberton também insiste para que a menina mantenha a gravidez.

“A juíza tinha como prioridade o feto. Ela desumanizou a criança e não viu aquela menina como uma criança. Não conseguir enxergar, não ter empatia suficiente para olhar para uma criança de 10 anos e entender que ela é”, diz Daniela Félix, advogada.
A mãe também questiona: “Se eles queriam preservar tanto a minha filha, era algo que não deveria ser perguntado para ela. Eu acho que eu deveria responder por ela, não ela. Ela é uma criança”.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que a Corregedoria-Geral da Justiça instaurou pedido para apurar os fatos. Também por nota, a Corregedoria Nacional de Justiça informou que a conduta da juíza Joana Ribeiro está sendo apurada numa reclamação disciplinar que foi instaurada.

O advogado de defesa da juíza afirma que a magistrada cumpriu o seu dever em defesa dos direitos humanos de adolescentes e do nascituro, e que, quando for possível, a juíza vai demonstrar que atuou dentro da lei e da justiça.

A mãe contou como foi ficar mais de 40 dias longe da filha: “Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Todos os dias eu chorava. todos os dias eu olhava para minha casa e não via a minha filha, então, para mim, isso era muito difícil. Quando eu ia, e eu ia visitar ela sempre, ela chorava e pedia para ir para casa”.

A delegacia de Tijucas investiga o caso e, de acordo com o delegado, um menor de 13 anos é suspeito de ter estuprado a criança – então com 10 anos. Pela lei, relação sexual com menor de 14 anos é estupro de vulnerável. Mesmo que o ato seja consensual, sem emprego de violência, é considerado crime. No caso de Santa Catarina, a menina que engravidou é a única vítima.

O Ministério Público Federal reitera que o aborto legal não requer qualquer autorização judicial ou comunicação policial, assim como não existem, na legislação, limites relacionados à idade gestacional e ao peso fetal para realização do procedimento.