‘Forma de amor mais bonita’, diz filha em busca de cartas escondidas pelo pai em discos dos Beatles

Karlo Schneider em foto na faixa de pedestres da Abbey Road em Londres, famosa em capa do disco dos Beatles. Imagem foi compartilhada pela filha Bárbara — Foto: Arquivo pessoal

Por Emmily Virgílio, Inter TV Cabugi e G1 RN — Pelos fones de ouvido da adolescente Bárbara Schneider, de Caicó, no Rio Grande do Norte, costuma passar um grupo de rock que acabou há 50 anos lá na Inglaterra: The Beatles.

Idolatrados desde o começo da carreira, lideraram depois a revolução musical dos anos 1960 e se separaram em 1970.

Ainda pequena, ela foi apresentada aos Beatles pelo pai, Karlo Schneider. Ele chegava a planejar a hora em que o famoso refrão de “Hey Jude” iria tocar no carro no caminho para a escola.

“Tinha uma rua que a gente passava que era tipo uma rampa. Ele fazia de tudo pra que quando a música começasse desse o tempo de, quando a gente fosse descer a ladeira, fosse em certo momento da música pra ser a emoção do dia pra mim”, conta Bárbara.

A adolescente, inclusive, se chama Bárbara em homenagem à mulher do baterista dos Beatles, Ringo Starr. Na verdade, antes Karlo tinha pensado no nome da esposa de outro beatle: John Lennon.

Karlo Schneider, de 40 anos, era fã dos beatles e colecionador de vinis; ele morreu aos 40 anos de idade — Foto: Divulgação

“Ele dizia: ‘Vou colocar o nome de Yoko Ono’. Eu dizia: ‘Vai não'”, lembra Alcione Araújo, esposa de Karlo Schneider.

Ela conta que o marido era “uma pessoa de coração puro”. “Ele acreditava na bondade das pessoas e na bondade do mundo. Eu que sempre ficava naquela proteção por trás, com medo, porque às vezes ele se machucava, se decepcionava por acreditar demais, mas ele era assim”, conta.

Karlo Schneider com formato de baixo que ficou popular nas mãos de Paul McCartney — Foto: Arquivo pessoal

“Ele sempre falava assim: o que importa na vida é o amor. ‘All you need is love’, que era uma frase dos Beatles”.

Alcione e Karlo Schneider se conheceram no ano 2000, antes dele embarcar para fazer um intercâmbio, não por acaso, na Inglaterra. “Eram quatro, cinco cartas por semana”, recorda Alcione desse período.

“As minhas eu enviava com envelopes coloridos para assim que o carteiro entregasse, ele saber que era minha'”.

Seis meses depois, Schneider voltou e eles se casaram. Tiveram três filhos: Bárbara, Layla e Arthur. E não deram a mínima pra novidade das mensagens eletrônicas e descartáveis. “Ele dizia que havia nascido na época errada”, fala Alcione.

Ela conta que certa vez, depois de uma briguinha, Schneider pediu desculpas com cartazes feitos à mão e que são guardados até hoje. “Aí como é que você continua uma briga dessas?”.

Essa história de amor tem um capitulo muito triste que começa com uma situação parecida com a de milhões de brasileiros: o desemprego.

Schneider era gerente de um hotel que fechou durante a pandemia. Desempregado, precisou se desfazer de parte da coleção de discos dos Beatles que tinha. Para levantar algum dinheiro, vendeu quase 300 discos de vinil para sebos e colecionadores.

Em agosto do ano passado, Schneider conseguiu emprego em outro hotel. Mas, em fevereiro de 2021, ele foi infectado pelo coronavírus.

“Ele foi pegar a Bárbara na escola e chegou em casa bem estranho. Na hora do almoço, não sentou. Perguntei se havia acontecido alguma coisa e ele falou: ‘Uma pessoa do hotel está tendo febre há uma semana'”, contou Alcione Araújo.

Dias depois, os exames confirmaram que Schneider estava com Covid. No dia 11 de março, ele morreu da doença aos 40 anos de idade.

Karlo Schneider e a mulher, Alcione, em show de Paul McCartney em Recife — Foto: Arquivo pessoal

Agora em junho, passados os piores três meses de sua vida, Alcione se lembrou de uma brincadeira do marido. Quando estava grávida de Bárbara, ele tinha pedido a quatro amigos que escrevessem cartas que a filha só poderia ler quando fizesse 15 anos de idade.

Só que as cartas estavam guardadas naqueles vinis que foram vendidos. Na hora do sufoco financeiro, Schneider não se tocou. As cartas nunca foram lidas e ninguém tem ideia dos conteúdos dela.

“Não sei [o que tem nas cartas]. Eu já tentei imaginar, mas eu não sei”, conta Bárbara que tem 14 anos de idade e se aproxima da idade desejada pelo pai para ler os escritos.

Alcione então procurou um dos amigos que escreveram as cartas. “Alcione veio falar comigo. E fui atrás de uns contatos para ver. imaginei que ia ficar entre a gente mesmo, entre a comunidade que comprava vinil, né?”, relata o amigo Francisco.

Mas a história ganhou grande repercussão nas redes sociais e também chegou a um youtuber beatlemaníaco, que ajudou viralizar essa busca.

“A esposa se lembrou um dia desses dessa história da carta e falou que essa carta vai trazer um pouco de felicidade pro coração da filha, que agora está com 14 anos”, diz o youtuber Gilvan Moura em seu vídeo.

Gilvan aposta que alguma carta vai aparecer. “Há uma grande chance porque colecionadores, às vezes, compram discos de vinil e guardam na estante por anos”, disse confiante.

Karlo Schneider morreu de Covid e deixou esposa e três filhos; ele era ‘beatlemaníaco’ — Foto: Arquivo pessoal

“A gente pede pra que quem adquiriu disco dos Beatles, que dê uma olhadinha se essa carta não está lá”, reforçou o pedido a amiga Ulla Saraiva, que compartilhou a história nas redes sociais e foi responsável por escrever uma das cartas.

A amiga se lembra do que escreveu numa das cartas: pedia que Bárbara estudasse muito.

“Hoje eu escreveria esse mesmo conselho, mas eu acrescentaria algo que Schneider me ensinou. Quando Bárbara tinha 7 anos, ele a deixava na escola de carro e gritava para ela, para constranger. Ele gostava dessa brincadeira. Ele gritava que ela tivesse coragem e fosse gentil”, reforça Ulla.

“Eu acho que isso é um ensinamento que ele deixou pra gente e pra ela. Eu acho que ela precisa de muita coragem nesse momento, então é o que eu desejo pra ela: que ela tenha coragem e continue sendo gentil”.

Bárbara guarda na memória os conselhos e ações do pai e diz saber qual o maior exemplo que ele deixou. “Eu acho que a forma que ele tem de transformar pequenas coisas em grandes coisas.”.

“Isso (das cartas) pode ter começado como brincadeira mas também como talvez a forma de amor mais bonita que você vai ver. Vinda de uma pessoa que já partiu, sabe?”, diz a filha.

Apesar do luto da perda ainda recente, ela segue em busca das cartas para ter uma nova e inédita memória do pai. “Foi bem difícil pra mim, está sendo ainda. Mas eu espero encontrar as cartas e restaurar esse amor dele na gente”, afirma Bárbara.