Profissionais de saúde relatam exaustão um ano após primeiro caso de Covid no RN

Primeiro caso em território potiguar foi registrado em 12 de março de 2020. — Foto: Elisa Elsie/Governo do RN

Por Leonardo Erys e Iara Nóbrega, G1 RN e Inter TV Costa Branca — Exaustão, desânimo, angústia. As palavras representam alguns dos sentimentos atuais dos profissionais de saúde que trabalham diariamente, há um ano, no combate à pandemia da Covid-19 no Rio Grande do Norte. Uma luta sem descanso, que parecia caminhar para um cenário mais promissor, e novamente desandou, com aumento de casos e alta taxa de ocupação dos leitos críticos. Algo que lembra, para alguns profissionais da saúde, um cenário de guerra.

“Nunca fui para uma guerra, mas acredito que, pelo que a gente vê, não é muito diferente do que a gente está passando”, diz o médico André Prudente, que é diretor do Hospital Giselda Trigueiro, referência no tratamento da Covid-19 no estado, e também membro do comitê científico do RN.

“A guerra é quando a gente não tem descanso, tem que trabalhar incessantemente para que outras pessoas não morram e para que a gente também não morra. A gente tem que lutar todo dia pela sobrevivência”.

Nesta sexta-feira (12), o primeiro caso registrado da Covid-19 no estado completa um ano. E a situação está longe de ser a que se imaginava em março de 2020.

“Quando a gente olha para trás e vê que, depois de um ano, a situação está pior do que a de março passado, realmente é uma surpresa. É uma surpresa negativa, que deixa a gente bastante desanimado”, diz André Prudente.

André Prudente, médico infectologista e diretor do Hospital Giselda Trigueiro — Foto: Reprodução/Inter TV Cabugi

A sensação mais citada pelo médico é a de desânimo. Trabalhando todos os dias desde o início da pandemia, ele lembra que nos primeiros meses havia uma comoção coletiva para o isolamento social e até as empresas atuavam com doações importantes a hospitais e profissionais da saúde, demonstrando solidariedade e compromisso com o momento.

“Foi passando a pandemia e as pessoas perderam um pouco esse sentimento de compaixão. E aí passaram a se aglomerar. Nas eleições no ano passado, na campanha, nas festas dos eleitos. Depois, as festas de fim de ano e, por último, o carnaval”, critica.

“A gente vê que as pessoas perderam a compaixão pelo próximo. Elas se reúnem sabendo que têm risco. E que podem passar para outras pessoas. E que vão pressionar os profissionais de saúde, que há mais de um ano trabalham diariamente”.

O diretor do hospital acredita que falta consciência coletiva. “A gente fica desanimado porque vê que a população na verdade não acredita nas medidas que podem conter a pandemia, justamente o distanciamento social, tendo que ter decretos pra isso. E aí, quando tem decreto, as pessoas criticam, sendo que a gente sabe que, se tivesse consciência, nem precisaria de decreto. Se não tivesse aglomerações, a pandemia estaria numa situação bem diferente”.

O cansaço do trabalho não é só físico, mas também emocional. É lidar com pacientes graves e óbitos dentro da rotina. E também com a falta de vagas de UTIs, cenário que voltou a acontecer neste mês de março no Rio Grande do Norte. Segundo o Regula RN, na noite de quinta-feira (11), o RN tinha 97,1% dos leitos críticos ocupados.

“É extremamente angustiante um amigo ligar e dizer que está com a mãe em tal pronto-socorro, na UPA, precisando de uma vaga de UTI…E a gente não ter essa vaga de UTI pra poder internar essa pessoa. É angustiante a gente chegar numa fila de espera para leitos de UTI e não ter a menor perspectiva”
— André Prudente, diretor do Hospital Giselda Trigueiro

E não há como tirar a humanidade de quem lida diretamente com a vida, lembra o médico. “Cada paciente que a gente perde é como se a gente perdesse um pedaço da gente. Principalmente pacientes jovens, porque a gente sabe que teria muitos anos pela frente e que a morte poderia ter sido evitada se não fosse a pandemia, se não fossem as aglomerações”. Mais da metade dos pacientes em UTIs atualmente tem abaixo de 60 anos, cenário diferente da primeira onda.

Leitos de UTI Covid-19 Hospital Belarmina Monte, em São Gonçalo do Amarante: ocupação de leitos críticos está acima de 95% — Foto: Ariel Dantas

O diretor diz que dói também ver histórias de parentes acometidos pela doença que morrem com poucos dias ou horas de diferença. André Prudente conta que uma das situações que mais o comoveu foi a de um casal que ficou intubado ao mesmo tempo no hospital.

“Eu tive uma experiência que eu nunca me esqueço de estar uma pessoa internada grave na UTI e a esposa na mesma UTI. E a esposa faleceu. Ele estava grave, mas começou a ficar lúcido, saiu da ventilação mecânica, e perguntava pela esposa. E a gente não podia dizer que ela já tinha morrido, porque isso pioraria a situação dele. Então era bem angustiante ele perguntar pela esposa e a gente ter que driblar a informação até chegar o momento de contar que a esposa não tinha sobrevivido”, disse.

“O choro dele me marcou muito. Nunca esqueci, porque foi um choro, apesar de ser uma pessoa de quase 80 anos, foi um choro de criança. Ele estava perdendo a companheira da vida toda, por causa da pandemia”.

E também é preciso lidar com rostos conhecidos. “Nesse momento eu estou acompanhando três amigos na UTI, por exemplo. Muitas vezes foi complicado falar com a esposa, que a gente conhece, e dizer: ‘Olha, a situação não está boa’. É mais difícil ainda por ser amigo”.

O médico André Prudente vê o atual momento da pandemia como o mais preocupante no que diz respeito à ocupação de leitos críticos, mas acredita que houve uma evolução em relação ao tratamento dos pacientes em comparação com o pico da primeira onda, entre maio e julho do ano passado.

Hospital Giselda Trigueiro, em Natal, é hospital de referência no combate à Covid-19 — Foto: Sérgio Henrique Santos/Inter TV Cabugi

“Em algum processo, esse é o pior momento sim, porque, apesar de os leitos terem sido ampliados, a demanda ainda é muito grande. Por outro lado, a gente passou maus bocados no início da pandemia, principalmente em maio e junho, porque era tudo novo. A gente não entendia muito bem a pandemia. Estávamos aprendendo a manejar os casos graves”.

“Provavelmente não morreu mais gente porque agora a gente sabe manejar um pouco mais: o momento certo de intubar, a quantidade de oxigênio, colocar a dose de medicamentos necessários em estados graves”.

Além da fila para leitos críticos, o médico se preocupa também com os equipamentos e insumos necessários, já que a pressão no sistema de saúde acontece em todo o Brasil.

“Isso faz com que os fornecedores de medicamentos, de materiais como respiradores, monitores, bombas de infusão, estejam saturados também. Então, eles não conseguem atender a toda demanda do país. Isso pode trazer algumas dificuldades em semanas, porque os fornecedores não têm capacidade de produzir todo material necessário. Isso nos preocupa nesse momento”.

Em um ano desde o diagnóstico da primeira paciente, o RN registra mais de 178 mil casos confirmados de Covid-19 e tem mais de 3,8 mil mortos pela doença.