Eike Batista e mais 6 pessoas são denunciados por manipulação de mercado de capitais, diz MPF

Denúncia é decorrente da operação 'Segredo de Midas', realizada em agosto de 2019 pela Lava Jato no Rio de Janeiro — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Por G1 — O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o empresário Eike Batista e mais seis pessoas por manipulação de mercado de capitais.

Os outros responsabilizados pelo órgão federal são Eduardo Plass, José Mario Caldas Osorio, Carlos Henrique Vieira Brandão dos Santos, Carlos Eduardo Reis da Matta, Maria Ripper Kós e Priscila Moreira Iglesias. O G1 tenta entrar em contato com as defesas dos denunciados.

Conforme divulgado pelo MPF, a denúncia é decorrente da operação “Segredo de Midas”, realizada em agosto de 2019 pela Lava Jato no Rio de Janeiro. As investigações revelaram um esquema de manipulação de mercado para favorecer operações de interesse de Eike Batista.

Segundo a apuração, a manipulação ocorria através empresa offshore The Adviser Investiments (TAI), com sede no Panamá, criada por Eduardo Plass e sócios, proprietários do TAG Bank.

Além disso, o MPF afirma que Eike e Luiz Arthur Andrade Correia, conhecido como Zartha e denunciado pelos mesmos fatos em outra ação penal, usaram a TAI para atuar de forma ilegal nos mercados de capitais nacional e estrangeiro.

O objetivo, afirmam os procuradores, era manipular ou usar informação privilegiada de ativos que estariam impedidos ou não queriam que o mercado soubesse que operavam.

Banco paralelo e ilegal

Na denúncia, os procuradores afirmam que a empresa TAI foi usada como um “banco paralelo e ilegal”.

“Não estando sujeita às regras regulatórias do setor bancário ou do setor de valores mobiliários, por não poder operar como banco ou corretora de valores, a The Adviser Investments [TAI] não foi fiscalizada a respeito de uma série de normas de compliance que existem para evitar crimes financeiros. Assim, a The Adviser Investments recebia recursos de seus correntistas sem a devida checagem da origem legal de tais recursos. Além disso, realizava operações financeiras para terceiros, não declaradas como tais, as fazia como se fosse em nome próprio, burlando uma série de limitações a que seus correntistas poderiam estar sujeitos”, consta na denúncia.

No exterior, os procuradores identificaram 233 operações simuladas e/ou manobras fraudulentas na Bolsa de Valores de Toronto, totalizando US$ 85.627.241,23 com relação aos ativos mobiliários VEN, da empresa Ventana Gold Corp, e GWY, da empresa Galway Resources Ltd.

Além disso, mais 37 operações irregulares na Bolsa de Valores da Irlanda, no total de U$ 38.718.565,02, com relação ao ativo mobiliário de bonds da OGX, ligado à empresa OGX.

E na Bolsa de Valores de São Paulo foram encontradas 34 operações que, de acordo com a denúncia, eram fraudulentas, totalizando R$ 109.648.547,46, relativas aos ativos MMXM11, da MMX Mineração e Metálicos (antigas ações da empresa PortX adquirida pela MMX) e MPXE3, da MPX Energia.

“Em todas elas [operações] foram negociados ativos financeiros (ações e bonds) por meio de contas fantasmas no banco paralelo The Adviser Investments, que aparecia como titular das operações, quando, na verdade, era apenas uma interposta pessoa meio da qual Eike Batista estava operando, através de Luiz Arthur Andrade Correia, que a mando, com a ciência e concordância do primeiro, ordenava as operações”, apontaram os procuradores na denúncia.

Luiz Arthur é indicado pelos procuradores como o operador da Golden Rock Foundation, offshore de Eike Batista que mantinha as contas (gerenciais) junto à TAI.

‘Raras condenações’

O procurador da República Almir Teubl Sanches, que integra a força tarefa, considera que “o tipo penal do crime de manipulação de mercado é um dos mais complexos do ordenamento brasileiro” e que “talvez por isso sejam tão raras condenações neste crime”.

Segundo ele, há três exigências legais para configuração do crime:

realização de operações simuladas e outras manobras fraudulentas,
finalidade de alterar o regular funcionamento do mercado
intenção de obter vantagem indevida ou lucro, ou então causar dano a terceiro.
Para ele, as três exigências foram comprovadas na denúncia contra Eike e os outros seis implicados. Segundo Sanches, houve operações simuladas ou fraudulentas por meio do banco clandestino, que de acordo com o MPF operava como se fosse em nome próprio, com o objetivo de ocultar do mercado quem realmente estava operando.

Isso, afirmou o procurador, impedia que os órgãos de controle verificassem os impedimentos para as operações, e que os demais agentes do mercado delas extraíssem as informações necessárias.

Houve, ainda, segundo a denúncia, “alteração artificial” do regular funcionamento do mercado pelo uso do banco clandestino, o que permitia que operações fossem ocultadas, “impedindo o reflexo que normalmente haveria no preço, volume e cotação dos ativos”.

“Com relação à terceira exigência legal, da finalidade de lucro ou vantagem indevida, há um aspecto importante a ser destacado na denúncia. A doutrina internacional sobre o crime de manipulação de mercado costuma apontar duas maneiras de se buscar esse lucro: a “corrida” (chamada de “run”) e a “contract-based”. Na primeira o lucro seria buscado internamente, nas próprias operações de mercado. O exemplo mais simples é a manipulação de um ativo, inflando-se preço na Bolsa de Valores, com sua posterior venda sobrevalorizada. É um tipo mais simples de manipulação e, os lucros indevidos alcançados e danos causados tendem a ser menores”, afirmou Sanches.

A segunda forma de manipulação, disse o procurador, implica um contexto de negociação maior. Por exemplo, quem manipula está, ao mesmo tempo, sentado à mesa negociando a compra ou venda do controle acionário de uma empresa. “Enquanto isso, por manobras fraudulentas, manipula os ativos financeiros. Mas nesse caso, os ativos são apenas referência para o negócio maior que está sendo realizado”, detalhou.

Sanches completou explicando que o lucro indevido nas operações não ocorre na própria Bolsa de Valores, “mas na negociação de compra ou venda da empresa”.

“Por isso, há tendência de que os lucros e prejuízos indevidos sejam bem maiores. Nos cinco casos de manipulação denunciados houve esse segundo tipo, pois, ao mesmo tempo em que os ativos eram manipulados, estavam em curso contextos maiores de negociações de compra de empresas (Ventana e Galway), venda de empresas (MMX e MPX) ou renegociação da dívida (bonds da OGX)”, reforçou.