Justiça torna réu pai de santo acusado de estuprar 4 fiéis durante supostas sessões espirituais

Pai Guimarães de Ogum nega as acusações de que teria abusado de fiéis em SP — Foto: Reprodução/Redes sociais

Por Kleber Tomaz, G1 SP — A Justiça tornou réu o pai de santo Heraldo Lopes Guimarães, conhecido como Pai Guimarães de Ogum, pela acusação de ter estuprado quatro fiéis durante supostas sessões espirituais, entre 2011 e 2016, em São Paulo.

O G1 apurou que decisão é da última sexta (13). Na sentença, a juíza Manoela Assef Silva, da 16ª Vara Criminal, no Fórum da Barra Funda, aceitou parcialmente a denúncia do Ministério Público (MP), que, em setembro deste ano, acusou o pai de santo por sete estupros de vulneráveis contra mulheres e até adolescentes à época. A Promotoria ainda pedia a prisão preventiva dele.

A magistrada entendeu, no entanto, que há indícios de que Pai Guimarães de Ogum tenha cometido estupro de vulnerável contra quatro das vítimas, uma delas tinha 14 anos. Mas encaminhou as outras duas denúncias de estupro a uma vara diferente. A 16ª Vara só atua em casos de crimes sexuais contra vulneráveis. Manoela rejeitou ainda a denúncia contra uma outra vítima (veja abaixo quem são cada uma das mulheres).

A juíza também não atendeu ao pedido da Promotoria para que Heraldo ficasse preso preventivamente durante o processo. Ele responderá aos crimes em liberdade.

O G1 apurou que a alegação para não prendê-lo seria o fato de que o religioso tem residência fixa, não apresenta risco à sociedade e também estaria com a saúde debilitada.

Embora tenha negado o pedido de prisão, Manoela determinou que o réu cumpra medidas cautelares enquanto durar a instrução criminal. Entre elas, estão: entregar seu passaporte, não deixar a cidade sem autorização prévia e não se comunicar com as vítimas e testemunhas do caso. Se ele descumprir algumas das restrições, poderá ir para a prisão.

Também por determinação da juíza, cada uma das vítimas representará um processo diferente contra o pai de santo.

O Ministério Público, que queria a inclusão de todas as sete vítimas em uma única ação, recorreu da decisão da Justiça ao tomar conhecimento dela nesta terça-feira (17). A Promotoria pediu novamente que o réu seja preso sob a alegação de risco de fuga.

Até a publicação desta matéria, a promotora Celeste Leite dos Santos não havia comentado o assunto oficialmente. O caso segue sob segredo de Justiça. Caberá à magistrada marcar uma data para o julgamento. O G1 também não encontrou a defesa do Pai Guimarães de Ogum para falar nesta terça.

Segundo a acusação do MP, as vítimas contaram que o pai de santo se valia da sua posição de sacerdote espiritual para cometer os abusos sexuais. O acusado sempre negou os crimes.

O que diz a defesa

Pai Guimarães de Ogum tem 56 anos e atua na Umbanda, religião brasileira de matriz africana. Além disso, comanda um templo na Zona Sul da capital, onde, segundo o MP, aconteceu a maioria dos abusos contra as sete vítimas, entre os anos de 2010 e 2019. Duas delas eram menores de 14 anos na época. As outras cinco já tinham 18 anos ou mais.

Em outubro, o G1 falou com o advogado Marco Antonio de Castro, que defende o pai de santo. De acordo com ele, o líder espiritual alega inocência.

“Meu cliente nega totalmente os fatos. E entende que é uma armação das vítimas, que estão em conluio e fazendo denúncias infundadas e inverídicas. Nesse momento é isso”, disse no início do mês o advogado Marco.
Após ter conhecimento das denúncias contra Heraldo por crimes sexuais, o Partido da Mulher Brasileira (PMB), do qual ele era presidente municipal em São Paulo, informou ao G1 decidiu afastá-lo em definitivo.

Pai Guimarães também comanda a Abratu (Associação Brasileira dos Religiosos de Umbanda, Candomblé e Jurema). Questionada pelo reportagem, a Abratu não comentou o assunto.

Relatos das vítimas

O G1 conversou com três mulheres que dizem ter sido vítimas dos supostos abusos cometidos pelo pai de santo. Elas contaram ter procurado o grupo de Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos (Avarc) do Ministério Público para acusar o pai de santo de se valer da sua posição de sacerdote espiritual para cometer os estupros de vulneráveis. Eles também ocorreriam em outro templo, no Centro, e até na casa do acusado.

As mulheres disseram ainda que Heraldo exercia domínio psicológico, deixando-as vulneráveis a ponto de se sentirem obrigadas a manter relações sexuais com ele, achando que estivessem se relacionando com uma entidade incorporada por ele. Elas acreditavam que aquilo fazia parte do tratamento em busca de uma cura espiritual.

Em casos de condenações, as penas para estupro podem ser de 6 a 10 anos de prisão e até 15 anos de reclusão (se for estupro de vulnerável). Quando há mais vítimas, a Justiça também costuma somar as penas atribuídas a cada uma das condenações por esse crime.

Para preservar a identidade das mulheres, a Promotoria as identifica por números, que vão de 1 a 7. Veja abaixo como a Justiça decidiu sobre a acusação feita pelo MP sobre cada uma delas.

4 estupros de vulneráveis

A juíza aceitou as denúncias de estupro de vulnerável contra Pai Guimarães em relação a:

Vítima 1: O MP acusa Pai Guimarães de ter mantido relações sexuais e praticado atos libidinosos contra ela, que era menor de 14 anos à época, no templo da Zona Sul e na casa dele, entre 2011 e 2014.
“Heraldo Lopes Guimarães não representa a Umbanda, ele se aproveitou de mim como se aproveitou de todas nós”, disse a primeira vítima, atualmente com 22 anos, em uma carta enviada ao G1 na qual acusa o pai de santo de tê-la estuprado.

Vítima 4: Pai Guimarães também foi denunciado por atos libidinosos e por obrigá-la a fazer sexo oral nele no templo da Zona Sul e na casa dele, entre 2013 e 2015.
Vítima 5: O pai de santo é acusado ainda de praticar atos libidinosos e obrigá-la a fazer sexo oral nele na casa onde morava e no templo da Zona Sul, entre 2013 e 2016.
Vítima 6: Pai Guimarães também foi denunciado por violência psicológica ao ameaçá-la de morte a obrigando a transar e ter atos libidinosos com ele, causando lesão corporal de natureza grave nela, no templo da Zona Sul, em 2013.
“Quando foi no terceiro trabalho foi que ele [Pai Guimarães de Ogum] disse que eu precisaria ter relação sexual. Ele dizia que meu companheiro já tinha perdido o encanto e não queria mais nada comigo e que, se eu não permitisse o trabalho, o fim do meu casamento estava muito próximo, e que em seguida seria o meu fim, que eu me mataria”, contou a sexta vítima, que atualmente tem 33 anos. “Aí ocorreu o primeiro estupro no terceiro trabalho que eu fiz”.

Ela contou ter sido estuprada sete vezes pelo pai de santo. “Durante esses trabalhos era muito difícil. Eu tinha muita vergonha, eu tinha medo, eu me sentia suja, eu queria chorar. Você se sentia obrigada a manter relação sexual com um espírito. Aquilo não podia ser algo normal”.
Após esses trabalhos, a mulher contou que a entidade incorporada por Pai Guimarães de Ogum lhe disse que ela precisaria deixar o marido e ir morar com o pai de santo, como sua mulher. A vítima falou que obedeceu e engravidou nessa nova relação com Heraldo. “Meu filho é filho do meu estuprador”, falou ela, que se separou do religioso e foi morar sozinha com o filho que teve com ele.

2 estupros para outra vara

A magistrada encaminhou dois casos de estupros para serem distribuídos a outra vara em relação a:

Vítima 2: O pai de santo é acusado ainda pela Promotoria de praticar atos libidinosos contra ela no templo e na casa dele, entre 2014 e 2015. Ela tinha 14 anos à época.
Vítima 7: O pai de santo é acusado de ter tentado obrigar uma fiel a fazer sexo oral nele em 2013 se valendo da sua condição de líder espiritual no templo da Zona Sul.
“Ele disse que eu precisava de energia para poder resolver minhas questões pessoais e, que para isso teria que usar o órgão sexual dele para obter. No momento que me disse isso, ameacei levantar pra sair dali, porém, ele travou as duas pernas contra meu corpo e segurou de maneira agressiva a parte de trás do meu cabelo impedindo que eu tivesse qualquer movimento, e quando me dei conta, ele estava com o órgão sexual para fora da calça e agressivamente, me disse pra que colocasse na minha boca enquanto empurrava com força minha cabeça”, falou a sétima vítima, uma mulher de 49 anos, que disse ter sofrido essa violência sexual de Pai Guimarães de Ogum em 2013, no templo que frequentava havia dois anos.

“Me lembro do nojo e do desespero que senti e então puxei minha cabeça para trás e ele voltou a forçá-la até seu órgão, quando novamente eu revidei e gritei”, afirmou a mulher, que contou ter decidido procurar o grupo Avarc do Ministério Público após ver reportagens na imprensa sobre as acusações contra o religioso. “Ao ver a matéria na mídia sobre outras acusações, resolvi me manifestar para fazer esse pervertido parar, pois de maneira nenhuma merece o título nem o respeito de ser um sacerdote da umbanda.”
Denúncia rejeitada
E a Justiça rejeitou a denúncia de estupro contra o pai de santo em relação a:

Vítima 3: O pai de santo também é acusado de cometer atos libidinosos e obrigá-la a transar com ele nos templos do Centro e da Zona Sul , além de um outro endereço, entre 2010 e 2011.