Dono da clínica de hipnose que prometia ‘cura gay’ presta depoimento na Polícia

Gabriel Henrique de Azevedo foi ouvido nesta segunda-feira (9); ele nega intenção de discriminar. Corporação vai apurar se houve dolo na conduta e se caso configura homotransfobia — Foto: Reprodução

Por Brenda Ortiz, G1 DF — O dono da clínica de hipnose, do Distrito Federal, que prometia tratamento para o “homossexualismo” (sic) – a palavra não é mais utilizada por especialistas devido ao sufixo -ismo, que remete a doença – prestou depoimento à Polícia Civil na noite desta segunda-feira (9). Gabriel Henrique de Azevedo Veloso cobrava R$ 29,9 mil pelo serviço, com “garantia vitalícia”.

A prática da terapia de reversão sexual, conhecida como “cura gay”, é vetada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e, em 2019, foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O caso é investigado pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin). Segundo a delegada Ângela Maria dos Santos, Henrique de Azevedo “negou que tenha tido a intenção de discriminar qualquer grupo de pessoas”.

Ao G1, Henrique contou, no domingo (8), que atua na área desde 2007 e afirmou que o caso “foi um mal-entendido”. Ele disse que “a palavra homossexualismo [sic] tem uma conotação negativa e já foi retirada do site”. A reportagem tenta contato com ele nesta terça-feira.

“Tem gente que procura esse tipo de tratamento, não é algo forçado a ninguém. Não tem cura gay, não tem fobia nenhuma e nenhum preconceito, muito pelo contrário. O cliente homossexual que quiser ser tratado pode ser tratado sem mudança de orientação sexual, foi uma infelicidade por conta do termo.”

A investigação é para verificar se o hipnoterapeuta tem registro profissional e se houve dolo na conduta do investigado. “Com as provas, a polícia verificará se houve ou não o dolo, necessário para o enquadramento do tipo penal, como exercício ilegal da profissão e crime de homotransfobia”, afirma Ângela Maria dos Santos.

Outras ações

Também na segunda-feira (9), a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF acionou o Ministério Público do DF. O presidente da comissão, o deputado distrital Fábio Félix (Psol), pediu que o órgão analise os fatos e tome providências.

“Chegou até nós que a clínica estaria tentando tratar pessoas e se referindo à homossexualidade como doença, inclusive usado o sufixo ‘ismo’ como referência”, disse o parlamentar. Desde 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde.

Ao G1, o MPDF informou que o Núcleo de Direitos Humanos (NDH) da instituição vai instaurar uma “notícia de fato” [registro do caso] e aguardará as investigações da Decrin “para então tomar as providências necessárias”.

‘Cura gay’

A clínica Hipnoticus oferece, em Brasília, a “garantia vitalícia” para “tratamento do homossexualismo”. O centro de hipnose será investigado pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP).

Na internet, Henrique de Azevedo garante ainda tratamento contra depressão e doenças autoimunes “antes mesmo da primeira sessão”. O procedimento, segundo ele, é o “equivalente a 70 anos de terapia”.

Hipnólogo não credenciado, diz CRT

Na internet, o hipnólogo Gabriel Henrique de Azevedo Veloso disse ser filiado ao Conselho de Autorregulamentação da Terapia Holística (CRT) e se autointitula o “criador da psicoterapia sem falhas”. Ao G1, a entidade afirmou que os “sistemas não registram essa pessoa no quadro de credenciados”.

O órgão alertou também que o número da Carteira de Terapeuta Holístico Credenciado está suspenso, ficando ética e contratualmente impedido de usar a CRT e de gozar os demais benefícios oferecidos pela organização.

A profissão de hipnoterapeuta não é regulamentada e a filiação ao conselho não é obrigatória. Em nota, a entidade afirmou “que não possui poder de polícia, que não há poder legal que autorize impedir algum profissional de trabalhar, em caso de falta ética, ou de ferir legislação”.

“Este poder é exclusivo dos órgãos públicos e a iniciativa cabe à população que sentir-se lesada, que deve formalizar queixa junto a um ou mais órgão acima citados”, disse o CRT.

LGBTfobia

Em abril de 2019, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu uma decisão da Justiça Federal de Brasília que permitia a prática da “cura gay”. Ela atendeu a pedido do Conselho Federal de Psicologia, que entrou no Supremo contra decisão do juiz da 14ª Vara Cível em Brasília, que autorizou psicólogos a realizarem terapias do tipo.

Resolução atual do conselho, no entanto, impede que psicólogos colaborem “com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”.

Já em janeiro deste ano, segundo informou o jornal “O Globo”, Cármen Lúcia cassou a decisão da Justiça do DF e determinou o arquivamento do caso.