PF faz buscas contra governador do RJ, Wilson Witzel, em investigação sobre hospitais de campanha

Polícia Federal no Palácio Laranjeiras — Foto: Reprodução/TV Globo

Por G1 — A Polícia Federal (PF) iniciou na manhã desta terça-feira (26) a Operação Placebo, sobre suspeitas de desvios na Saúde do RJ para ações na pandemia de coronavírus. São 12 mandados de busca e apreensão — um deles no Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador Wilson Witzel (PSC), e outro na casa dele no Grajaú.

Às 8h40, agentes saíram do Palácio Laranjeiras com um malote com documentos. Equipes da PF também foram mobilizadas para a casa onde Witzel morava antes de ser eleito, no Grajaú, e no escritório de advocacia do governador, que é ex-juiz federal.

Witzel se manifestou às 9h40 e negou participar de qualquer esquema. “A interferência anunciada pelo presidente da República [na Polícia Federal] está devidamente oficializada. Estou à disposição da Justiça,” disse (veja a íntegra abaixo).

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das principais aliadas do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, antecipou na segunda-feira (25), em entrevista à Rádio Gaúcha, que a Polícia Federal estava prestes a deflagrar operações contra desvios na área da saúde nos estados.

O presidente Bolsonaro tem criticado Witzel — de quem foi aliado durante a campanha –, a quem chamou de ‘estrume’ em uma reunião ministerial em 22 de abril, por conta das medidas de isolamento para conter o coronavírus.

Perguntado sobre a operação nesta terça, Bolsonaro respondeu: “Parabéns à Polícia Federal. Fiquei sabendo agora pela mídia. Parabéns à Polícia Federal, tá ok?”

Questionado sobre se Zambelli sabia, emendou: “Pergunta para ela.”

Ligação suspeita

A investigação aponta ainda “vínculo bastante estreito e suspeito” entre a primeira-dama e as “empresas de interesse de Mário Peixoto” — o empresário, dono de fornecedoras para governos, foi preso na Operação Favorito, no último dia 14 (leia mais abaixo). O empresário nega qualquer ligação irregular.

Helena Witzel, que possui um escritório de advocacia, tem um contrato de prestação de serviços com a DPAD Serviços Diagnósticos, segundo a investigação. O MPF relata ainda comprovantes de transferência de recursos entre a empresa.

No endereço eletrônico de dois suspeitos de integrar a organização chefiada por Mário Peixoto teriam sido encontrados “documentos relacionados a pagamentos para a esposa do governador”.

As empresas de Peixoto têm contrato com o governo desde a gestão de Sérgio Cabral (MDB) e os mantêm na de Witzel. Segundo o Ministério Público Federal, a manutenção dos acordos se deu por meio do pagamento de propina.

Gabriell Neves e Iabas também são alvo

Outros alvos da ação desta terça são Gabriell Neves, ex-subsecretário de Saúde de Witzel preso na Operação Mercadores do Caos, e o Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde), organização social (OS) contratada pelo governo do RJ para a construção de sete hospitais de campanha no estado.

Equipes foram para a casa de Gabriell, no Leblon, e nos escritórios da Iabas no Centro do Rio e em São Paulo, onde fica a sede da OS.

A assessoria do Iabas informou por volta das 8h20 que ainda não tem informações e que se posicionará depois.

O G1 também tentou contato com a defesa de Gabriell.

Aonde a PF foi

  • Palácio Laranjeiras: residência oficial do governador e da família;
  • Rua Professor Valadares, Grajaú: residência onde morava Wilson Witzel;
  • Rua Dezenove de Fevereiro, Botafogo: residência de Edmar Santos, ex-secretário de Saúde;
  • Avenida Ataulfo de Paiva, Leblon: residência de Gabriell Neves;
  • Rua da Assembleia, Centro: escritório do Iabas;
  • Rua México, Centro: sede da Secretaria Estadual de Saúde.

A operação é realizada pela equipe do SINQ (Serviço de Inquéritos) da DICOR (Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado) da Polícia Federal. O SINQ atua em inquéritos de tribunais superiores que tenham como alvos pessoas com foro nesses tribunais.

O que disse Witzel

“Não há absolutamente nenhuma participação ou autoria minha em nenhum tipo de irregularidade nas questões que envolvem as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal.

Estranha-me e indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará.

A interferência anunciada pelo presidente da República está devidamente oficializada.

Estou à disposição da Justiça, meus sigilos abertos e estou tranquilo sobre o desdobramento dos fatos. Sigo em alinhamento com a Justiça para que se apure rapidamente os fatos.

Não abandonarei meus princípios e muito menos o Estado do Rio de Janeiro”.

Atrasos e suspeitas

O governo do estado anunciou R$ 1 bilhão para o combate à Covid-19. A maior parte desse orçamento — R$ 836 milhões — foi destinada para o Iabas em contratos emergenciais, sem licitação, para hospitais de campanha.

Foram prometidas sete unidades em pleno funcionamento até o dia 30 de abril, mas nenhuma foi aberta no prazo.

  1. Maracanã: aberto parcialmente dia 9, e uma ala foi ‘inaugurada’ na última sexta (22);
  2. São Gonçalo: uma inauguração foi anunciada para o dia 17, mas a unidade só deve abrir nesta quarta (27);
  3. Nova Iguaçu: deve abrir na sexta (29)
  4. Duque de Caxias: agendado para segunda (1);
  5. Nova Friburgo: prometido para 7 de junho;
  6. Campos dos Goytacazes: deve abrir em 12 de junho
  7. Casemiro de Abreu: o mais atrasado, programado para abrir dia 18 de junho.

Desse montante — e antes de ter recebido o primeiro leito dos sete hospitais contratados —, o estado já tinha adiantado R$ 256 milhões, em três levas:

  • Uma de R$ 60 milhões, paga em duas vezes, nos dias 13 e 15 de abril, sem especificação de onde seria o usado o dinheiro;
  • Uma de R$ 68 milhões, para pagar respiradores e finalização da montagem dos hospitais;
  • E outra parcela, no valor de R$ 128,5 milhões.

Suspeitas de irregularidades nesses contratos emergenciais tinham motivado duas operações até então.

  1. Mercadores do Caos, da Polícia Civil do RJ e do Ministério Público do RJ, sobre respiradores;
  2. Favorito, da PF, sobre tentativa de fraudar mais contratos.

Mercadores do Caos

Na primeira, investigada pelo estado, foram presas cinco pessoas, em duas etapas.

  1. Gabriell Neves, subsecretário de Saúde do estado, exonerado antes da prisão;
  2. Gustavo Borges, que sucedeu Gabriell na pasta, exonerado depois da operação;
  3. Aurino Filho, dono da A2A, uma empresa de informática que ganhou contrato para fornecer respiradores ao estado;
  4. Cinthya Silva Neumann, sócia da Arc Fontoura;
  5. Maurício Fontoura, controlador da Arc Fontoura e marido de Cinthya.

Três empresas — a Arc Fontoura, a A2A e a MHS Produtos — são investigadas por suposta fraude na compra de mil respiradores. Somente 52 foram entregues, mas com especificações diferentes.

A suspeita é que houve vantagem indevida nos contratos, cujo valor total é de R$ 183,5 milhões.

G1 mostrou que o governo pagou R$ 33 milhões adiantados às três empresas. Parte do pagamento adiantado ocorreu em uma hora.

A Operação Favorito

Em mais uma etapa da Lava Jato no RJ, a Polícia Federal prendeu no último dia 14 o ex-deputado estadual Paulo Melo, o empresário Mário Peixoto e outras três pessoas.

Peixoto e Melo, que já foram sócios, acabaram presos porque surgiram indícios de que o grupo do empresário estava interessado em negócios nos hospitais de campanha do RJ.

Segundo as investigações, mesmo antes da contratação, planilhas de custos já estavam sendo confeccionadas — o que levantou a suspeita de fraudes no processo.

Peixoto é dono de empresas que celebraram diversos contratos, como o de fornecimento de mão de obra terceirizada, com os governos estadual — desde a gestão de Sérgio Cabral, cresceu durante o governo de Luiz Fernando Pezão e presta serviços ao governo de Wilson Witzel — e está em unidades do governo federal.

O que diz Mário Peixoto

“Não existe relação ilícita entre Mario Peixoto e o Governador Wilson Witzel. Qualquer acusação neste sentido é absolutamente descabida e irreal. Questões políticas não se misturam com questões jurídicas. Investigações policiais devem ter como norte a imparcialidade. Nenhuma empresa vinculada a Mario Peixoto contratou com o Governo do Estado, na área de saúde, durante a epidemia de Covid-19. Mário Peixoto não possui nenhuma relação com o IABAS. Alessandro Duarte é consultor da empresa Atrio, da qual Mario Peixoto já foi sócio (não é mais). No entanto, Alessandro possui empresas próprias, com atividades próprias, sem vinculação alguma com Mario Peixoto. Mario e o advogado Lucas Tristão são amigos, sendo que o escritório de Tristão já prestou serviços jurídicos à empresa ligada à família de Peixoto”.

Por Bette Lucchese, Diego Haidar, Gabriel Palma, Guilherme Peixoto. Henrique Coelho, Márcio Falcão, Pedro Figueiredo e Ricardo Abreu, G1 Rio, TV Globo e GloboNews