‘Agressão emocional’, diz motorista do Samu que se mudou de casa para evitar risco de contaminação de familiares por Covid-19 no RN

Luciano Silva decidiu ficar isolado dos filhos e da companheira antes mesmo do primeiro caso confirmado do novo coronavírus no estado — Foto: Arquivo Pessoal

Por Rafael Barbosa, G1 RN — Há quase dois meses Luciano Silva não abraça os filhos e a sua companheira. Durante o mesmo período, está isolado e mantendo o mínimo de contato possível com pessoas de fora do seu trabalho. Luciano começou a desenvolver quadro depressivo por causa dessa situação. Ele é condutor socorrista do Samu de Mossoró, no Oeste potiguar, e se afastou de todos os que ama por amor: para não correr o risco de contaminá-los com a Covid-19.

“Uma agressão emocional. Você não vê o corpo agredido, mas sente”, resume o motorista, que tem 55 anos e há 15 atua no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Além de condutor socorrista, Luciano também dá palestras de primeiros socorros em escolas e outras instituições, atividade que está suspensa por causa da Covid-19.

Com a chegada do vírus no Brasil, ainda antes do primeiro caso confirmado no Rio Grande do Norte, ele se mudou para um apartamento que possui em um bairro próximo de onde mora. Luciano e a esposa, que é assistente social no Município, decidiram que seria o melhor a se fazer, por causa da possibilidade do contato direto dele com pacientes do novo coronavírus em sua atividade profissional. A mudança aconteceu em 22 de fevereiro.

“Eu passei a ver meus filhos só por videochamada. Comecei a ficar muito triste, porque estava longe deles”, conta. Os filhos, Arthur Gabriel, de 13 anos, e Yanni, de 9, ficaram com a mãe. “Família para mim é ponto de equilíbrio, por isso estou tão desequilibrado”.

As atividades do cotidiano se restringiam a ir para o trabalho e, na volta, ficar trancado no apartamento, além de ligar para a família. Luciano diz que começou a desenvolver quadro depressivo. Depois de 50 dias isolado, encontrou uma solução para amenizar a saudade. Nesta segunda-feira (13), mudou-se para a casa da mãe, que fica em frente à dele. De lá, consegue ver Arthur Gabriel e Yanni de longe.

Isolado dentro de casa

Com medo de também contaminar a mãe, de 88 anos de idade, Luciano se isolou dentro de um quarto, que tem banheiro. “Quando ela faz minha comida, bate na porta e vai para a sala. Eu saio e vou para a cozinha comer”, relata. Tanto ele, quanto ela ficam de máscara a maior parte do tempo e mantêm o distanciamento de segurança de 1,5m.

“Quando volto do trabalho, não mantemos qualquer contato. Passadas 24h, conseguimos nos comunicar com a distância de segurança. Tomamos todas as medidas de segurança”, explica o condutor socorrista, que trabalha em uma escala de 24h de serviço por 72h de folga.

Além disso, a nova rotina inclui ir até o portão e acenar para os filhos, do outro lado da rua. “É como se eu estivesse numa cela. Como se eu tivesse sido retirado de casa e proibido de entrar por mim mesmo. É como uma automutilação”.

Luciano conta que ainda está abatido, apesar de melhor, e que já perdeu quatro quilos desde que iniciou o isolamento, que é anterior à quarentena decretada pelo Governo do Estado. No entanto, afirma seguir firme porque acredita em um cenário mais favorável. “Eu tenho fé que isso tudo vai passar”.

Números

Mossoró é a cidade do Rio Grande do Norte com a maior quantidade de mortes por Covid-19. Nesta sexta-feira (17), foi confirmada a 8ª morte no município. A vítima é uma mulher de 76 anos

No estado potiguar, de acordo com o último boletim divulgado pela Secretaria de Saúde Pública, são 400 casos confirmados do novo coronavírus. Os casos suspeitos são 2.232. Ao todo são 23 mortos.