‘Sei que vou me contaminar por coronavírus, mas não posso parar’, diz médico com carga de mais de 72 horas semanais de trabalho

Médico conta que sensação de recuperar paciente em estado grave 'é indescritível' e é o que lhe dá forças para continuar — Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

Por Bárbara Muniz Vieira, G1SP — O médico intensivista Ismael Perez Flores, de 35 anos, se desculpa pela fala abafada e diz que vai retirar a máscara de proteção para se fazer entender. A entrevista, feita por telefone durante um plantão no Hospital Sírio-Libanês, na região Central de São Paulo, é realizada por etapas para que ele possa atender aos pacientes com o novo coronavírus sob seus cuidados na Unidades de Tratamento Intensivo (UTI).

Assista vídeo do médico clicando aqui.

Cuidados esses que passaram a incluir um número maior de procedimentos, como ventilação mecânica, uso de vaso-compressores, hemodiálise, e às vezes até suporte respiratório extracorpóreo.

O G1 acompanha alguns profissionais da saúde durante a pandemia.

Muito mais trabalho, segundo Ismael, que acumula uma carga horária que tem chegado a 72 horas semanais. A mudança na rotina do médico aconteceu nas duas últimas semanas, quando ele estima que as UTIs do Sírio e do Hospital São Camilo, onde trabalha, passaram a ser 80% ocupadas por pacientes com a Covid-19.

Com a sobrecarga de pacientes e do trabalho, vem o medo da própria contaminação. E com o medo, a resiliência.

“Em algum momento eu vou me contaminar. Não dá para dizer que não tenho medo, todo mundo tem medo de ficar em estado grave com coronavírus, é inevitável. Mas você tem de estar preparado para lidar com essa situação. É resiliência mesmo: você sabe que pode ficar doente, mas tem de continuar trabalhando. Se os intensivistas, sejam médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, não trabalhassem por medo, então não haveria quem cuidasse desses pacientes”, afirma.

De acordo com Ismael, os hospitais abriram novas alas de UTI e leitos para receber mais pacientes. Alguns hospitais chegam a ter alas exclusivas para pacientes de Covid-19. Nessas alas, os profissionais trabalham paramentados com Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como gorro descartável, óculos de proteção, máscara N95, avental impermeável e luvas descartáveis.

Os cuidados, as horas extras e os vários procedimentos, contudo, nem sempre são suficientes para salvar vidas. Lidar com a morte, segundo Ismael, é a pior parte do trabalho. Ainda mais quando pacientes jovens morrem.

“Morte de pacientes jovens é uma coisa que choca bastante toda a equipe. Todo mundo acaba ficando bastante chateado e chega a ser um pouco desanimador. Mas faz parte. Por outro lado, quando você vê paciente evoluindo bem e saindo das medidas de suporte avançado, isso traz conforto e acaba tirando a sensação de não ter podido ajudar as pessoas que faleceram”, analisa.

Nem só de mortes é feito o dia a dia nos hospitais. Recuperar um paciente em estado grave, segundo Ismael, é uma “sensação indescritível de felicidade”. A equipe médica gravou um desses momentos emocionantes de alta. (Assista ao vídeo clicando aqui)

“Muitos pacientes que vêm para a UTI chegam a um nível de gravidade e dependem de um suporte artificial de vida por bastante tempo. É o caso de um paciente que teve alta esta semana. Ele ficou duas semanas internado precisando de um fluxo de oxigênio muito alto e prestes a ser entubado várias vezes. No meio desse caos, quando a gente consegue dar alta para um paciente desses, é uma sensação indescritível de felicidade e realização”, afirma.

Ismael diz que a recuperação dos pacientes é motivadora para continuar. “A gente vê que nosso trabalho está ajudando alguns pacientes a voltar para sua casa, sua realidade. É bem difícil explicar esse sentimento, mas muita gente fica bem emocionando com a alta dos pacientes e isso motiva a gente ainda mais para continuar a fazer nosso trabalho.”