Médica denuncia falta de insumos em hospital que atende pacientes com coronavírus no RN: ‘É como dirigir carro sem volante’

Hospital Regional Tarcísio Maia é a principal unidade de saúde de Mossoró e um dos indicados em casos de suspeita de coronavírus no estado — Foto: Reprodução

Por Leonardo Erys e Hugo Andrade, G1 RN e Inter TV Costa Branca — O Hospital Regional Tarcísio Maia, principal unidade de saúde de Mossoró e indicado para casos de coronavírus, tem sofrido com a falta de medicamentos, equipamentos e insumos que são fundamentais no combate e no tratamento da doença. É o que relatam médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde lotados no hospital neste período de pandemia.

Nesta semana, a médica Samila Pinheiro fez um desabafo nas redes sociais que ganhou repercussão. Nele, ela disse que ter os profissionais de saúde e alguns equipamentos, mas não ter requisitos fundamentais como exames, gasometria, e eletrólitos “é como dirigir um carro sem volante”. “Isso é o que guia você. Sem isso, você não tem como saber se o tratamento está sendo feito adequadamente”, falou.

Ela explicou que a gasometria, por exemplo, é um tipo de exame fundamental nesse cenário de tratamento para casos de coronavírus. É um exame de sangue colhido de uma artéria que mede situações como a pressão de oxigênio, gás carbônico e bicarbonato. “Se não tem gasometria, não tem a menor condição de manejar adequadamente a ventilação mecânica. Isso compromete e muito o tratamento do paciente”, explicou.

“Isso é algo muito, muito básico. Não tem condições de enfrentar uma epidemia de coronavírus dessa forma, sem as medicações, sem gasometria e sem os exames básicos necessários”.

Mossoró registra, até esta terça-feira (7), três das oito mortes por coronavírus no Rio Grande do Norte.

A médica cita que ainda faltam outros equipamentos como glicosímetros, oxímetros e tensiômetros, além de insumos e exames como sódio, potássio, eletrólitos, coagulograma e até tomografia. Entre os medicamentos em falta estão antibióticos, anticonvulsivantes e medicações para realizar a intubação orotraqueal.

Segundo Samila, nenhuma previsão foi dada para a chegada desses equipamentos, exames e medicamentos. “Mas é algo que precisa estar presente todos os dias. É uma coisa urgente, básica, que não tem como ficar sem”, frisou ela. Outro fator alertado pela médica é a falta de álcool em gel. “Nas enfermarias, não tem álcool em gel para os pacientes e familiares”, diz.

Samila explica que não é possível trabalhar de forma adequada com tantas faltas e a solução geralmente é adaptar. “O que os colegas costumam fazer é adaptar. Às vezes trocam uma medicação por outra”.

O Hospital Regional Tarcísio Maia é um dos indicados no estado em casos de coronavírus. Na terça-feria (7), a governadora Fátima Bezerra (PT) anunciou que a unidade abriu 10 novos leitos de UTI para atendimento de pessoas com a Covid-19. A intenção é que nos próximos dias mais 10 sejam abertos – o hospital já conta com outros nove leitos.

Doações e ajudas

Segundo a médica, muitos dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para os profissionais da saúde foram doados. Samila cita ainda que parte da hidroxicoloroquina, medicamento recomendado para pacientes graves do coronavírus, também foi doada por empresas e colaboradores. “Do Estado veio muito pouco”, falou.

Nesta semana, o Hospital Regional Tarcísio Maia recebeu caixas com doações de EPIs. Entre os materiais doados, estavam luvas, máscaras, roupas de proteção e até equipamentos eletrônicos.

Outra coisa que tem acontecido, segundo relatam funcionários, são as famílias, alguns médicos e enfermeiros pagaremos exames para ajudarem o paciente. “E assim a gente vai fazendo as medidas mais emergenciais. Mas obviamente não se consegue fazer um trabalho adequado, porque muitos exames que deveriam ser coletados e ter resultado na urgência, às vezes só tem no dia seguinte se alguém pagar”.

“Medicina é ciência, não é adivinhação. Se você não tiver os exames disponíveis para dar o diagnóstico correto você não consegue estabelecer o tratamento correto”.
Para Samila, familiares chegarem ao ponto de precisar comprar esses medicamentos ou exames é um “absurdo”. “Você imagina uma população carente, atendida pelo SUS, que ganha em média de um ou dois salários mínimos tendo que gastar do próprio bolso com esses exames. E muita gente não tem como gastar e acaba ficando a mercê do sistema”.

A médica diz que acredita que a saúde do RN pode ter a oportunidade de sair melhor dessa pandemia. “Não tem fundamento investir uma quantia muito alta se você não conseguiu o básico para o funcionamento da sua casa. A casa, os hospitais referência, são Tarcísio Maia, Rafael Fernandes, Walfredo Gurgel. A nossa casa tem que ter o básico, ao menos arroz e feijão na mesa, se não a gente não vai conseguir sustentar e dar o suporte básico necessário pro tratamento desses doentes”.

“Sem isso a gente não vai conseguir progredir em nada na saúde do RN”.