Em entrevista concedida em Motel, Geisy Arruda ‘celebra’ dez anos do dia em que ficou famosa

Modelo ganhou ação na Justiça contra a Uniban depois de deixar faculdade escoltada pela PM por causa de vestido curto em 2009 — Foto: Fábio Tito/G1.

Por Bárbara Muniz Vieira, G1 SP — Nesta terça-feira (22) faz exatamente 10 anos do dia em que a então estudante de turismo Geisy Arruda foi hostilizada, perseguida e teve de ser retirada sob escolta policial da faculdade Uniban, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, por usar um vestido cor de rosa curto para ir à aula. “O dia mais importante e mais triste da minha vida”, disse Geisy em entrevista ao G1.

Um vídeo do episódio de 22 de outubro de 2009 viralizou em uma época em que não havia redes sociais e escancarou o assunto do assédio contra mulheres no Brasil quando, diferente dos dias atuais, feminismo e direito das mulheres não eram tão discutidos.

Dez anos depois, tendo feito uma ‘limonada’ do episódio, Geisy soube se manter nos holofotes na mídia e segue atuante nas redes sociais. “Se você tem a oportunidade de ter um futuro melhor, uma vida melhor, você vai viver sempre ali na lama se rastejando? Se isso for ser oportunista eu sou uma baita de uma oportunista sim. Continuo me vestindo como eu quero, como sempre fiz. Nunca me importei com a opinião das pessoas e agora muito menos.”

‘Me chamaram de vadia’

Em entrevista ao G1 concedida no Motel Magnata, na Zona Sul de São Paulo, Geisy relembrou o dia há exatos dez anos quando se arrumou para ir à aula já pensando na festa a que iria depois.

“Era uma quinta-feira comum, dia de balada. Fui para a faculdade com roupa de balada. Quando eu cheguei recebi assovios e olhares, mas até então nada incomum, eu era muito paquerada. Mas na hora do intervalo houve uma grande comoção. Todos foram para a frente da minha sala e começaram a me ofender. Me chamaram de puta e vadia”, relembra.

Geisy conta que a sua sala de aula era de vidro e que a ofensiva do lado de fora foi crescendo, de forma que seus colegas do lado de dentro ficaram “com muito medo.”

“Todos nós ficamos apavorados. Colocamos cadeiras e mesas na porta porque queriam arrombar a porta e colamos folhas de papel de caderno no vidro porque estavam filmando. Eu chorava muito e me perguntava porque aquilo estava acontecendo. Meu professor chamou a polícia e eu saí de lá escoltada por 5 policiais dentro de uma viatura.”

A Uniban se posicionou expulsando Geisy da faculdade alegando que a aluna teve uma atitude de desrespeito à moralidade e à dignidade acadêmica, mas voltaram atrás por causa da repercussão do caso. Ela foi recolocada, processou a unidade por danos morais e recebeu R$ 40 mil de indenização, mas não quis voltar a estudar no local.

“Eu me culpei por muito tempo. Eu tentava refazer meus passos para descobrir onde errei. Pensava que se estivesse com uma calça jeans, uma roupa mais comportada ou com menos maquiagem talvez eu tivesse sido poupada. Demorei muito para aceitar que eu não era a culpada e sim a vítima. Eu só percebi isso quando eu tive apoio da imprensa e quando eu vi feministas na frente da faculdade me defendendo. Vi que não estava sozinha.”

A vida antes e depois

Geisy tinha 20 anos quando o episódio na faculdade ganhou repercussão nacional. Ela trabalhava em um mercadinho de Diadema, na Grande São Paulo, fatiando frios como mortadela e presunto e tinha um salário de R$ 500.

“Eu era feliz assim. Não tinha muitas ambições na vida, queria trabalhar com hotelaria e turismo, talvez ser recepcionista de hotel. De repente a minha vida se transformou e tive oportunidades lindas”.

Com a fama alçada e que já dura dez anos, Geisy posou nua duas vezes para a revista “Sexy”, fez trabalhos como modelo, repórter de TV e atriz e publicou um livro sobre sua história. Mas talvez tenham sido as cirurgias plásticas realizadas o que repercutiu mais. Ela fez lipoaspiração, rinoplastia, colocou próteses de silicone nos seios e fez cirurgia íntima.

“Fiz cirurgias plásticas sim, me tornei uma mulher mais bonita e mais confiante. E hoje vivo da fama que me deram e vivo muito bem”, diz ela.

É comum que Geisy seja criticada e taxada de oportunista, mas ela diz não se importar com as críticas.

“Eu sempre vejo a palavra oportunismo com carinho porque eu acho justo o ser humano aproveitar as oportunidades. Acho que ninguém nasceu para ganhar R$ 500 por mês”, rebate.

Em breve Geisy vai lançar um livro de contos eróticos, alguns baseados em experiências reais de sua vida e outros de ficção.

‘Nunca tinha ouvido a palavra feminismo’

Geisy diz que, na época, se surpreendeu com a repercussão do caso e que não conhecia a luta por direitos iguais das mulheres, mas que foi o movimento de apoio dentre as mulheres que lhe deu forças.

“Nunca tinha ouvido a palavra feminismo e de repente essa se tornou a palavra mais importante da minha vida. Me senti acolhida, protegida e sustentada por milhares de mulheres que lutaram comigo pelo direito de vestir o que quer, de ser como é, ir para onde e quando se quer. Eu tenho um amor e orgulho por minha história de vida. Hoje eu sou uma mulher feminista e a minha luta é a luta de todas as mulheres.”

Apesar de passados dez anos e do aumento da discussão sobre temas feministas, Geisy acredita que ainda poderia ter sofrido o ataque nos dias atuais.

“Poderia ter acontecido hoje sim. Infelizmente o índice de feminicídio no nosso país é gigante. A mulher tem de se reafirmar todos os dias como mulher que exige respeito e que não vai ser estuprada só porque está com uma roupa curta na balada bebendo. No carnaval a gente tem de estar sempre lembrando que não é não. É bem possível que isso acontecesse novamente. Mas espero que não e que meu caso tenha servido de exemplo para que isso nunca mais aconteça.”

Promotora vê mais conscientização

Dez anos depois, progredimos nas discussões, mas ainda há muita diferença na postura cobrada de homens e mulheres, de acordo com Silvia Chakian, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

“Temos de reconhecer que nos últimos anos houve maior conscientização da sociedade em geral no tocante a questões de gênero e violência contra a mulher. O debate ganhou força e ocupou principalmente agendas através da internet e das redes sociais, mas ainda temos de refletir muito sobre como o sexo feminino é julgado por dupla moral”, diz a promotora.

“Se cobra no comportamento masculino o que se repudia no feminino. Ainda que tenhamos evoluído, nossa sociedade ainda cobra um papel de recato na mulher e um comportamento social e sexual mais conservador do que aquele que se admite no homem. Essa discussão precisa avançar porque tem reflexo nos índices de violência contra a mulher e na justificativas para esses casos.”