Autismo: audiência pública propõe medidas para reduzir judicialização na Saúde

O debate reuniu juristas, pais e mães de pessoas com autismo — Foto: João Gilberto.

A falta de atendimento, a briga judicial por garantias de direitos e o bem-estar da população com autismo foram alguns dos temas discutidos na Assembleia Legislativa durante audiência pública realizada na tarde desta quinta-feira (17). Proposto pela deputada Cristiane Dantas (Solidariedade), o debate reuniu juristas, pais e mães de pessoas com autismo, representante de plano de Saúde, além de representantes do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. O objetivo do debate foi alcançar um consenso sobre uma medida para reduzir as ações judiciais individuais para garantir atendimento a autistas que têm cobertura pelos planos de Saúde.

“Esta audiência pública é realizada para suscitar o diálogo sobre um dos importantes aspectos que envolvem a plena garantia do acesso à saúde pelas pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o constante embate jurídico que as famílias travam com os planos de saúde para o acesso contínuo aos tratamentos multidisciplinares”, explicou a deputada Cristiane Dantas, na abertura da discussão.

De acordo com a parlamentar, a lei 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros saúde, determina cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde. A CID 10 prevê todos os tipos de Transtornos do Desenvolvimento Psicológico. Um destes é o Transtorno Global do Desenvolvimento, do qual o autismo é um subtipo. Da mesma forma, a parlamentar explicou que a lei 12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo. Mesmo assim, não é uma tarefa simples conseguir atendimento custeado pelos planos.

“A legislação atual garante cobertura dos tratamentos indicados a diversos transtornos do desenvolvimento, inclusive ao autismo. No entanto, as operadoras e seguradoras de saúde limitam o acesso do beneficiário a apenas algumas sessões multidisciplinares anuais. Mas como já citei, o tratamento para quem tem TEA é longo e contínuo e pela legislação em vigor essas restrições são consideradas abusivas”, disse a deputada.

Um caso citado foi o da advogada Marília Duarte, que é da Comissão de Direito à Cidadania da OAB/RN. Mãe de uma criança autista, ela disse durante a audiência que teve grande dificuldade para entregar somente o requerimento solicitando a liberação para o custeio do tratamento. Porém, de acordo com ela, a operadora do plano de saúde se recusava a receber. “O tratamento dado não é abusivo. É desumano”, criticou.

Participando da audiência pública, representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública explicaram que tratam do tema conjuntamente. A defensora Renata Alves Maia, que tem um filho autista, disse que o órgão tem coletado dados e buscado informações, junto ao MP, para embasar uma ação civil pública. No entanto, ela acredita que o melhor caminho seria um entendimento e cumprimento do que determina a lei. “A mediação é a melhor solução para todos, sem dúvida”, explicou, apesar dela, como pessoa física, ter uma ação individual contra a operadora do seu plano. “Temos informações que há 42 ações somente contra um plano de saúde. Estamos atuando junto à Defensoria e caminhando para que até o fim do ano tenhamos uma tratativa para estancar um pouco essa alta procura pelo Judiciário com ações individuais”, disse o promotor Sérgio Luiz de Sena.

Também na discussão, o desembargador Cláudio Santos elogiou a iniciativa da deputada Cristiane Dantas em realizar o debate e disse que é a partir de discussões como essa que a situação pode ser solucionada. Segundo eles, os magistrados têm que ter uma visão contextual, “bastante humanística de um lado, mas também com muita razoabilidade do outro lado”. Para o magistrado, as necessidades individuais diferem umas das outras, bem como das potencialidades materiais das famílias. Por isso, ele defende cautela nos direcionamentos sobre o tema.

“Os planos de saúde, embora entidades privadas, têm um grande interesse público envolvido em sua atuação. Também há de se convir que há registros de pessoas que tentam se aproveitar dessas situações delicadas para usarem os problemas para lucrar excessivamente sobre uma causa tão nobre. Discussões como essa realizada na Assembleia poderão contribuir para solucionar o atendimento e evitar distorções”, avaliou o desembargador.

O representante da Unimed na audiência não ampliou a discussão sobre o tema. Contudo, Rodrigo Lopes disse que o tema tem gerado preocupação à Unimed, relatando aumento de 70% nos tratamentos de autismo nos últimos meses.

“É uma preocupação nacional da Unimed. Estão sendo discutidas soluções em outros estados. Discutindo também junto ao Poder Judiciário. Entendemos que é uma causa social e que as soluções têm que chegar a quatro mãos. Estamos à disposição do Judiciário e nos colocamos à disposição para mais debates”, disse.

Ao fim da reunião, a deputada Cristiane Dantas se comprometeu a seguir acompanhando a situação e levar a discussão ao plenário da Assembleia Legislativa na próxima semana.