Famílias venezuelanas conseguem emprego e começam nova vida no interior do RN

Família de Manoel Alejandro, Vanessa Anaraf e o pequeno Matias foram a primeira a se 'emancipar' de programa de interiorização de venezuelanos no RN — Foto: Igor Jácome/G1

Por Igor Jácome, G1 RN — O ritmo do reggaeton e os biscoitos típicos servido aos visitantes dão cara de lar venezuelano a uma das casas de uma granja na Lagoa do Bonfim, em Nísia Floresta, na Grande Natal. É na tranquilidade da região que Manoel Alejandro, 25, e Vanessa Anaraf, 27, estão reconstruindo suas vidas, com o pequeno Matias, de um ano.

A família é uma das 16 que chegou ao Rio Grande do Norte em outubro de 2018 por meio do programa de interiorização do governo federal, para imigrantes que fogem da crise na Venezuela.

Ao todo, 60 pessoas chegaram ao estado no dia 3 de outubro, e foram recebidas no abrigo da organização humanitária internacional ‘Aldeias Infantis SOS’, em Caicó, região Seridó potiguar. A família de Manoel e Vanessa foi a primeira a se emancipar – conseguir estabilidade e deixar o abrigo, para caminhar “com as próprias pernas” no Brasil.

• Venezuelanos contam como é a vida em outros estados; leia relatos

Manoel foi contratado como caseiro na granja do empresário Roberto Willian Montenegro, que resolveu ir até Caicó para conhecer os imigrantes.

“Estávamos procurando um caseiro e, ao sabermos da chegada deles fui lá com minha esposa. Na ocasião, nem conhecemos Manoel, que estava trabalhando, mas conversamos com Vanessa, conhecemos o Matias, e nos identificamos. Sabia que era uma boa oportunidade para eles e para mim”, diz.

A família venezuelana então deixou o abrigo, para seguir para a nova morada, na região metropolitana de Natal, e considera que está se adaptando bem. A barreira da língua ainda é um desafio, mas nada que atrapalhe o serviço. “É fácil de entender, mas difícil de falar”, diz Vanessa. O patrão tem aprovado: “todas as nossas expectativas estão se justificando”.

Família de venezuelanos foi contratada por empresário potiguar — Foto: Igor Jácome/G1

A vida na Venezuela

No estado de Anzoátegui, na Venezuela, Manoel trabalhava na PDVSA – a petroleira estatal da Venezuela – equivalente à Petrobras no Brasil. Vanessa era paramédica. A família, que ainda tem uma filha de 8 anos que permaneceu com a avó no país, tinha condições de classe média – uma boa casa própria, dois carros, alguns bens. “Éramos ricos e não sabíamos”, diz a mulher.

Porém com a chegada da “guerra política e econômica”, como classificam, a situação da família começou a se deteriorar. Manoel conta que teve que começar a fazer trabalhos extras, além do expediente normal, para poder atender às necessidades básicas. Meses depois, isso já era insuficiente. “Tínhamos que escolher se comíamos ou dávamos comida aos nossos filhos”, lembra. “Com o salário só era possível comprar 2 kg de arroz”, acrescenta Vanesa.

Foi quando, no início de 2018, o casal decidiu vender alguns bens e comprar duas passagens para a fronteira da Venezuela com o Brasil. Não havia dinheiro suficiente para trazer a filha Ivanoa Celeste. Como era uma criança de colo, Matias não pagava passagem e pegou o ônibus com os pais.

Chegada no Brasil

Os três chegaram a Roraima no dia 22 de janeiro. Nos primeiros meses no Brasil, viveram em abrigos, dormindo em barracas, mas também passaram algumas noites na rua. Logo perceberam que não poderiam ficar muito tempo na região.

“Estava muito perigoso. Havia muita violência de venezuelanos e também de brasileiros. Estava virando uma nova Venezuela. Poderíamos ficar, voltar, ou buscar outro futuro”, conta Vanessa. Foi quando ouviram falar sobre o programa de interiorização e buscaram regularizar a documentação no país, para ter acesso à oportunidade.

Agora, com o emprego, o casal sonha em trazer a filha mais velha para o Brasil, no próximo ano. Atualmente, já envia uma ajuda mensal à família. Próximo à nova casa, já encontraram uma escolinha, onde Matias deve começar a estudar no próximo ano.

Voltar para a Venezuela no futuro é uma opção, mas não se as condições políticas e econômicas persistirem. Por enquanto, o futuro deles está no novo país, que estão aprendendo a amar.

“Já conseguimos quase tudo que sonhávamos no Brasil. Um emprego, alguma estabilidade para nossa família e conseguir ajudar um pouco nossos parentes”, diz Vanessa.

Lagoa do Bonfim fica na Grande Natal e é a nova morada da família venezuelana — Foto: Allan Trigueiro Soares

Outras famílias

Além da família que agora mora na Lagoa do Bonfim, outras duas deixaram o programa Brasil Sem Fronteiras, do qual as Aldeias Infantis SOS – presente em 35 países – fazem parte. Uma voltou à Venezuela, por questões familiares, e outra conseguiu emprego no Litoral Norte potiguar.

O gestor do programa no estado, Francisco Santiago Júnior, afirma que 13 das 16 famílias que chegaram em outubro permanecem no abrigo. Duas se prepararam para deixar o programa em janeiro.

Grupo de venezuelanos foi acolhido no RN no abrigo das Aldeias Infantis SOS — Foto: Leianne Régia

Ao menos 4 homens conseguiram emprego formal em Caicó e trabalham com carteira assinada, atuando na construção civil e na área de serviços, principalmente no ramo de alimentação.

Outros 3 homens estão fazendo cursos profissionalizantes no Senac, nas área de construção civil, como pintura e pequenas reformas. Oito mulheres começaram cursos de manicure e maquiagem oferecidos pela própria organização Aldeias Infantis.

Conforme consigam moradias e certa estabilidade, eles vão deixar as vagas no programa e abrir oportunidade para outras famílias que estejam na fronteira aguardando uma oportunidade de se interiorizar no país. Na última segunda-feira (17), por exemplo, um novo grupo de 12 pessoas, formado por três famílias, chegou ao abrigo, graças ao espaço aberto pelos que se emanciparam.

“Nosso objetivo é a reorganização da família, para que ela consiga a autosuficiência e deixe o programa, abrindo oportunidade para outras”, explica. O programa é feito em parceria com a Acnur – a agência da ONU para refugiados – e o governo federal brasileiro.

“Fomos excelentemente recebidos. Somos gratos a todas as pessoas que nos ajudaram”, afirma Vanessa.