Por g1 RN — Agricultores e produtores rurais de Serra do Mel (RN), cidade distante cerca de 250 km de Natal, entraram com uma ação na Justiça contra a multinacional Voltalia por conta dos empreendimentos eólicos instalados no município.
🔎Os agricultores alegam prejuízos na produção de caju, castanha e mel – as principais atividades econômicas da cidade – por causa dos aerogeradores, além do aumento da “Síndrome da Turbina Eólica”, relacionada a casos de transtornos de ansiedade e distúrbio do sono, e a perda de direitos como aposentadoria e direito ao crédito rural por causa dos contratos assinados com a empresa para a cessão do terreno. (Entenda mais abaixo).
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A ação busca de forma emergencial:
Em nota, a Voltalia informou que não foi oficialmente notificada sobre o processo judicial.
A ação foi ajuizada em 21 de maio deste ano, quase um ano após os agricultores iniciarem os passos para acionar a multinacional judicialmente.
Na ação é requerida a revisão dos contratos firmados com agricultores familiares, bem como a reparação integral dos danos decorrentes dos impactos causados pelos empreendimentos, além de reconhecimento por dano moral coletivo ambiental que engloba prejuízos à paisagem, à fauna, à saúde e à produção agrícola familiar. Também é requerido dano moral aos produtores, relacionado aos efeitos nocivos à saúde dos moradores da comunidade.
“As enfermidades decorrentes disso, os danos à produção, os ruídos e a vibração…Isso tudo começou a ser sentido. E também a própria sensação de que aqueles contratos que eles fizeram, que aquilo que foi prometido realmente não estava sendo cumprido e estava gerando um ônus excessivo para eles”, explicou o advogado Felipe Vasconcellos, uma dos representantes dos autores da ação.
A ação foi movida pela Frente Parlamentar da Agricultura Familiar do Rio Grande do Norte (Fetarn), pela Central Única dos Trabalhadores do RN (CUT-RN) e pela Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR-RN).
Os contratos de cessão de uso da terra de propriedade dos trabalhadores rurais da agricultura familiar começaram a ser feitos há cerca de 10 anos em Serra do Mel. Depois disso, a multinacional passou pelos processos de licenciamento, licença prévia, instalação e operação.
Os empreendimentos começaram a funcionar efetivamente por volta de 2021 e 2022.
Segundo o advogado Felipe Vasconcellos, a empresa fracionou a atuação em 40 empreendimentos eólicos diferentes na região. Ele explica que essa situação permite que a empresa se exima da responsabilidade de fazer um estudo de impacto ou dá a possibilidade de fazer um relatório simplificado, baseado na legislação ambiental atual.
Isso, segundo o advogado, diminui “de forma artificial o potencial poluidor e o porte desse empreendimento”.
“Ao reduzir esse impacto, ela reduziu o porte poluidor aos olhos dos órgãos ambientais e se eximiu do EIA-RIMA [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental], que é um instrumento determinante para garantir a prevenção os impactos econômicos, socioeconômicos e ambientais da de um eventual empreendimento eólico”, explicou.
Os produtores se sentiram ainda prejudicados na produção de caju, castanha e mel – as principais atividades econômicas da cidade.
De acordo com a ação, os empreendimento eólicos comprometem diretamente a produção agrícola familiar. Os produtores alegam que a poeira gerada pelas obras prejudica a flora local, dificultando a fotossíntese e, consequentemente, a formação dos frutos. A fuga de abelhas impacta diretamente a polinização, especialmente do caju. Além disso, a presença das torres eólicas dentro dos lotes impede o uso adequado de máquinas agrícolas, o que contribui para uma expressiva redução da área cultivável no município.
O advogado Felipe Vasconcellos disse que um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já trata sobre o que é chamado de a Síndrome da Turbina Eólica, “uma enfermidade diretamente relacionada à proximidade dos aerogeradores das residências” e que começou a ser sentida pelos proprietários rurais de Serra do Mel.
Segundo ele, em junho do ano passado houve uma audiência pública com os produtores, e em julho uma assembleia decidiu por uma ação coletiva. A partir daí, os advogados passaram a ouvir as principais denúncias.
Baseado em dados do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab), o advogado relatou que a partir de 2022 – com a maior parte dos empreendimetnos em operação – houve um “salto de mais de 14.000% de incidências de enfermidades relacionadas a síndrome da turbina eólica”, com doenças como transtornos de ansiedade e distúrbio do sono.
A ação também aponta dados do Sistema de Informações Georreferenciadas do Setor Elétrico (Sigel) das localizações das torres em referência às casas.
“Maior parte desses empreendimentos não estão a menos de 1 km de distância das residências. Tem alguns aerogeradores que estão a 200 metros, 300 metros. É basicamente você dormir com um aerogerador de 150 metros de altura trabalhando ininterruptamente”, explicou o advogado Felipe Vasconcellos.
O advogado apontou que é pedido a realocação urgente dos aerogerados porque alguns estudos apontam que as enfermidades geradas pela proximidade das torres acabam quando o fator causador deixa o local.
“O que a gente pede é que caso seja deferida essa relocação e que nenhum produtor rural seja prejudicado – que eles continuem a receber a remuneração mensal deles até que seja realocado o empreendimento e com um valor superior”, disse.
O contrato atual prevê que os produtores recebam uma porcentagem do faturamento mensal da empresa, de 1,55% dividido por todos os produtores de cada vila.
“Se tiver uma uma falha de operação de um aerogerador e produzir menos ou se o sistema de operação nacional reduzir a produção de uma usina, isso vai gerar um faturamento menor, isso vai impactar o produtor”, disse.
Além disso, a ação alega que os contratos assinados com a empresa para a cessão do terreno teria retirado direitos como aposentadoria e direito ao crédito rural, como do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
“Porque o bem estava inteiramente cedido para a multinacional eólica. Então, o contrato também apresentou ali, no processo de instalação e operação, dos empreendimentos, excessivamente oneroso”, explicou o advogado.
Por conta disso, a ação pede que seja estabelecida a necessidade de reequilíbrio equitativo dos contratos.
“Se eu não tenho acesso a crédito. Se eu não sou segurado especial mais, isso não é um prejuízo para mim a continuidade da produção? Então a gente pede também que 50% desse contrato seja anulado”, reforçou.
Esse pedido de nulidade de 50% do contrato também ocorre por conta de uma taxa vitalícia que prevê que 7,5% de tudo que os produtores receberem devem ser descontados para a figura de um advogado intermediador.
“Nessa cláusula diz assim: se o advogado intermediador morrer, o valor vai ser para o filho dele. Não faz sentido nenhum, ou seja, foi uma cláusula abusiva colocada para onerar excessivamente esse contrato”, disse o advogado.