Regulação da reforma tributária pode alavancar exportações, mostra debate

Mesa:
doutora em Direito, professora e auditora fiscal da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (SRFB), Liziane Angelotti Meira;
diretor-presidente da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), vice-almirante Amaury Calheiros Boite Júnior;
presidente eventual da CAE, senador Izalci Lucas (PL-DF);
secretário-executivo do Conselho da Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Fábio Pucci Martins;
coordenador-geral da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Marcelo Reis.
Especialistas debateram o PLP 68/2024, que regulamenta a reforma tributária e foi encaminhado ao Congresso Saulo Cruz/Agência Senado

Por Agência Senado — Na 24ª posição entre os maiores exportadores mundiais, o Brasil pode melhorar em muito sua colocação no ranking, com aumento de competitividade, a partir do projeto de lei complementar (PLP 68/2024), que regulamenta a reforma tributária e foi encaminhado ao Congresso pelo governo. Essa foi uma das constatações de especialistas que participaram nesta terça-feira (17) de debate na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para discutir os efeitos da reforma sobre as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), regimes aduaneiros especiais e regime de bens de capital.

A audiência promovida pelo grupo de trabalho da CAE que analisa a regulamentação da reforma tributária (Emenda Constitucional 132), sob coordenação do senador Izalci Lucas (PL-DF), é mais uma do ciclo de debate para estudo do tema. 

Izalci destacou que a proposta do grupo de trabalho é agir de maneira pontual em cima do que já foi aprovado e apresentar uma proposta de mudança para o que precisa ser alterado.

— A gente quer ver o mundo real lá na ponta, onde há algumas distorções — afirmou Izalci.

ZPEs

No Brasil há o regime aduaneiro comum, os regimes aduaneiros especiais e os regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais, como a Zona Franca de Manaus, as áreas de livre comércio e as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs). Um dos pontos mais debatidos na audiência foi a proposta do projeto para as ZPEs, que são áreas de livre comércio de importação e de exportação.

Segundo o secretário-executivo do Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Fabio Pucci Martins, o atual texto sobre as ZPEs “recepciona todas as regras existentes e ainda traz algumas inovações incrementais, com novos benefícios para o regime”. 

— O que muda? Resumidamente, uma atualização e duas inovações que são incrementais para benefícios ao regime. […] Basicamente onde está sendo mencionado anteriormente, ou atualmente, PIS-Cofins, IPI, ou até referência ao ICMS, acaba sendo substituída por CBS [Contribuição Sobre Bens Serviços] e IBS [Imposto sobre Bens e Serviços]. Demais regras seguem, em essência, como estão atualmente — expôs o secretário.

Quanto às inovações incrementais, há a previsão de instituir a desoneração sobre a energia elétrica destinada à produção de energia limpa em ZPE, incluindo hidrogênio verde, hidrogênio de baixo carbono e a amônia. E ainda, a redução a zero para serviços de transporte de bens que venham até a ZPE e partam de lá.

O ex-senador Roberto Rocha (MA) lembrou que atuou durante 19 anos no Congresso Nacional com o o projeto que cria um novo marco legal das ZPEs no Brasil, combinado com a reforma tributária, quando relatou a PEC 110/2019.

— É preciso saber que, com a reforma tributária, é claro que as ZPEs ou o próprio apetite por ZPEs vão se reduzir um pouco. Por quê? Porque, desse manicômio tributário, só tem uma saída para fugir dele no Brasil: é com as ZPEs, porque as ZPEs não se submetem a esse sistema tributário brasileiro atual. Então, com um sistema tributário mais moderno, nós teremos os ambientes de negócio das ZPEs parecidos com os ambientes de negócio do Brasil. É claro que nós estamos falando de exportação, nós temos que preservar o compromisso exportador. É claro, nós temos que preservar a nossa indústria nacional.

Regimes aduaneiros 

Em relação ao drawback, que é um regime de suspensão dos tributos que são cobrados na aquisição de insumos voltados para processamento de mercadorias que serão exportadas, Marcelo Reis, coordenador-geral da Secretaria de Comércio Exterior (também vinculada ao Mdic), afirmou que o PLP 68/2024 tem uma inovação importante e que deve ser mantida: “a extensão do tratamento da suspensão de tributos não só para as mercadorias importadas, mas também para as mercadorias que são fornecidas por nossos produtores nacionais”.

— Na verdade, atualmente, até essa reforma ser implementada, os fornecedores nacionais ficam em desvantagem em relação aos fornecedores estrangeiros, o que é uma grande estranheza, tendo em vista que o ICMS não é coberto pelo drawback suspensão, no caso de aquisição no fornecimento interno. Então, esse é um avanço muito importante para sanear essa lacuna, essa questão que levava a uma falta de isonomia entre fornecedores nacionais e estrangeiros. 

O professor e advogado Solon Sehn disse que a atual reforma é um ganho em simplificação, diante de uma legislação atual confusa e contraditória. Ele salientou, contudo, que é preciso alterar artigo do PLP 68/2024 para prever a extensão do drawback também para as operações com serviços. 

— Temos de inserir a desoneração do IBS e da CBS. Temos de desonerar todos os serviços que são utilizados para produzir mercadorias que serão exportadas pelas empresas brasileiras. […] Isso vai ser um grande ganho que nós vamos proporcionar ao nosso país, e nós vamos ter uma regulamentação completa para que realmente a reforma tributária produza os seus efeitos desejados.

Desoneração

Para a professora e auditora fiscal da Receita Federal, Liziane Angelotti Meira, a reforma tributária traz grande aprimoramento para o comércio exterior, “principalmente permitindo uma desoneração mais efetiva e mais rápida das exportações e não comprometendo o regime de caixa das empresas”.

— Com o sistema tributário se simplificando, os regimes vão deixar de ser dessa forma que é bastante complicada, digamos, burocrática. Eles vão deixar de ser a única forma de desoneração, talvez deixem de ser algo tão importante no nosso comércio exterior, como o drawback, que representa mais de 20% do nosso comércio exterior, mas, ao mesmo tempo, nós não podemos abrir mão deles. Eles têm que continuar disponíveis, eficientes e, nessa perspectiva de reforma tributária, aprimorados. E eu acho que é essa a discussão que está aqui, que é extremamente importante, porque nós falamos em inserção do Brasil em nível internacional — disse a auditora fiscal. Liziane destacou que é preciso verificar alguns pontos do projeto, entre eles, se as regras entre os regimes estão equilibradas. 

Já a consultora internacional do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Melina Rocha enfatizou que o projeto de regulamentação da reforma tributária trata do IBS e da CBS dentro desses regimes e não trazer o detalhamento, que estariam em legislação aduaneira.

Blusinha

Com relação ao Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), que é um imposto de destino, Melina pontuou ainda que o grande desafio, enfrentado por todos os países, é saber como fazer com que as operações feitas por fornecedores não residentes sejam tributadas adequadamente. Ela defendeu ainda a tributação das compras em remessas internacionais. 

— A tributação da blusinha que eu compro por meio dessas plataformas digitais residentes no exterior tem que ser exatamente a mesma tributação da blusa que eu compro na loja da esquina, porque, senão, a gente vai ter um problema de competitividade da indústria nacional, do comércio, e isso impacta a economia nacional — afirmou.

A coordenadora do Comitê Técnico Tributário da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Dayane do Nascimento Lima da Silva disse que dois pontos não foram contemplados no projeto: o primeiro diz respeito ao regime do preponderantemente exportador, de forma a “desonerar o exportador brasileiro para que tenha condições de competir no mercado internacional”.

— Hoje, os exportadores brasileiros que adquirem matérias primas fazem isso com isenção e a prevalecer o atual texto, terão de recolher o IBS e a CBS — disse.

O segundo ponto é a questão do imposto seletivo sobre as exportações, que no texto atual alcança a exportação de bens minerais, o que feriria o que está disposto na Emenda Constitucional 132, segundo Dayane. Para sair da 24ª posição mundial entre os exportadores, é preciso desonerar a cadeia exportadora do Brasil, enfatizou a coordenadora da AEB.

O superintendente de Economia da CNI Mário Sérgio Carraro Telles afirmou que o projeto preserva o bom funcionamento do IVA e, com isso, eliminam-se uma série de distorções.

— E uma das distorções que permanecem é a questão dos regimes aduaneiros especiais. […] E temos que chamar a atenção à questão da ampliação das exceções. Então, esse é um ponto também negativo.

Base naval

De acordo com o diretor presidente da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), o vice-almirante Amaury Calheiros Boite Júnior, o PLP 68/2024 não abordou o Regime Especial de Tributação para a Indústria de Defesa (Retid), “um mecanismo que possui a finalidade de eliminar a diferença de tributação entre os produtos de defesa nacionais e importados, protegendo a base industrial de defesa brasileira, com reflexos na indústria naval”.

Ainda, segundo o vice-almirante, o projeto teve o objetivo de desonerar as compras públicas destinadas à soberania e à segurança nacional, à segurança da informação e à segurança cibernética, mas faltaram as empresas públicas de defesa.

— É extremamente necessário que as empresas públicas de defesa sejam incluídas no texto.

Participaram ainda da audiência pública o presidente da Associação de Processamento de Exportação (ABRAZPE), Helson Cavalcante Braga, e o diretor jurídico da Câmara Brasil Ásia (CBA), Menndel Macedo.