Visibilidade lésbica: ativistas defendem pesquisas como forma de garantir direitos

Mesa:
coordenadora-geral de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos, Dayana Brunetto;
deputada Carla Ayres (PT-SC);
presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS);
presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, deputada Daiana Silva dos Santos (PCdoB-RS) - em pronunciamento;
representante da Secretaria Nacional de Enfrentamento à violência contra Mulheres, Carla Ramos;
integrante da equipe de pesquisa do I LesboCenso Nacional, Raquel Mesquita.
Sem dados oficiais do IBGE, pesquisas acadêmicas e de movimentos sociais poderiam contribuir para políticas públicas Waldemir Barreto/Agência Senado

Por Agência Senado — A ausência de dados específicos sobre a população lésbica resulta na violação de direitos e na falta de políticas públicas específicas para essas mulheres.  A afirmação foi feita por militantes, pesquisadoras e especialistas que participaram de audiência pública promovida nesta quarta-feira (28) pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, em parceria com a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados.  

A data da audiência foi escolhida em razão do Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, comemorado em 29 de agosto.  O dia é dedicado a discutir políticas públicas de combate à lesbofobia e a dar visibilidade à comunidade lésbica no Brasil. o requerimento para o debate foi apresentado pelo presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS).

— É fundamental fomentar o diálogo sobre a pluralidade e buscar o respeito aos direitos da comunidade lésbica. Sabemos que o número de casos de violência contra lésbicas no Brasil tem aumentado. O Brasil precisa enfrentar corajosamente essa questão, que é uma questão de direitos humanos — disse o senador ao abrir a audiência.

Durante a reunião, foram apresentados dados da primeira etapa do LesboCenso Nacional, pesquisa feita pela Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e pela associação lésbica feminista de Brasília Coturno de Vênus entre agosto de 2021 e maio de 2022. A pesquisa reúne dados sobre autoidentificação, trabalho, educação, saúde, relacionamentos, relações familiares e redes de apoio que as lésbicas possuem nas diversas regiões do país.

A intenção é alterar o cenário de subnotificações de crimes, violação de direitos e da falta de políticas públicas específicas para lésbicas. A pesquisadora e militante Raquel Mesquita, que faz parte da equipe de pesquisa, lembrou que o censo produzido pelo governo sequer pergunta a orientação sexual dos respondentes. Para ela, a falta de dados oficiais sobre essa população é proposital.

— A partir dessa ausência de dados, existe uma dificuldade na construção de políticas públicas para a nossa população, porque nós não sabemos quantos somos, nem o nosso perfil. Então, retomando o conceito de necrobiopolítica da Berenice Bento, professora do Departamento de Sociologia da UnB [Universidade de Brasília], o Estado escolhe quem vive, como vive e quem vai morrer. A gente identifica que essa ausência de dados não é por acaso. É uma ausência proposital, porque ela visa também a essa necropolítica, esse “deixar morrer” certos corpos — lamentou.

Dados

Um dos eixos da pesquisa traz dados sobre violência: 78,61% das participantes já sofreram lesbofobia e 6,26% conheciam alguma mulher lésbica que morreu em razão da orientação sexual. O principal tipo de violência é assédio moral (31,36%), seguido pelo assédio sexual (20,84%). Grande parte dessas agressões, 29,32%, são perpetradas por membros da família.

Outro eixo da pesquisa focou a área sobre saúde. O levantamento mostra que 24,98% das entrevistadas sofreram lesbofobia em atendimento ginecológico. Muitas mulheres que participaram da pesquisa, 72,9%, se sentiam constrangidas em revelar a orientação sexual em atendimento de saúde. De acordo com Raquel Mesquita , esse constrangimento leva a crer o índice de violência em atendimento de saúde poderia ser até maior, caso a orientação tivesse sido revelada por mais mulheres.

Para Janaína Oliveira, vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e representante o Fórum de Lésbicas do Ministério das Mulheres, os dados mostram que as políticas públicas para lésbicas precisam estar em todas as pastas, inclusive na Saúde.

Fases

A primeira fase da pesquisa foi quantitativa, com 19,4 mil participantes. A segunda etapa do LesboCenso é qualitativa, com entrevistas mais aprofundadas, e está em fase de análise de dados. Essa etapa tem o apoio do Ministério das Mulheres.

— É muito violento — não é possível deixar de falar — como a nós não é permitido saber de nós. É o ápice da violência de Estado que a gente pode passar. O Ministério das Mulheres, em articulação com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e outros tantos ministérios vai continuar provocando e fazendo pesquisas. O tanto que a gente puder, a gente vai fazer, vai produzir esses dados — disse Carla Ramos, representante do Ministério das Mulheres.

Tanto ela quanto a secretária substituta da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Bel Sá, defenderam a destinação de mais recursos do Orçamento para esse tipo de política. Elas fizeram um apelo aos parlamentares para a destinação de emendas para a área.

Os dois ministérios assinaram na terça-feira (27) um acordo para fortalecer a rede de atendimento, aprimoramento do fluxo de denúncias e troca de conhecimentos para garantia de direitos e de acesso à Justiça, à saúde, à educação e à assistência social, a ser executado em âmbito nacional.

A professora Dayana Brunetto, coordenadora-geral da Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos, afirmou que, na falta de dados públicos sobre a população lésbica, é preciso dar visibilidade e reconhecimento às pesquisas feitas pelas ativistas.

— A audiência dá visibilidade também às pesquisas dos movimentos sociais, porque ainda que a gente não tenha dados estáveis nos sistemas de governo ou nos órgãos federais, estaduais e municipais, a gente tem as pesquisas feitas pelas ativistas e acadêmicas do movimento social de lésbicas feministas, então, quero visibilizar essas pesquisas e parabenizá-las também.

Espaços

Para a deputada Daiana Santos, presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara, a audiência significa visibilidade para mulheres lésbicas. Essas mulheres, lembrou a deputada, estão atuando em movimentos e em vários espaços da vida em sociedade, mas não se sentem seguras para tratar dos temas como devem ser tratados e não se sentem seguras de exaltar quem são por conta das violências.

— A necessidade desse nosso encontro e desse novo debate é para dar segurança para o avanço dessa sociedade, que não pode refutar e não pode tratar com violência corpos que diferem dessa normativa que foi imposta para nós. (…) Não se pode negociar com aquilo que está violando o direito da existência desses corpos. Então, viva a visibilidade, viva o orgulho, vivam todas essas mulheres lésbicas que se colocam à disposição e que fazem um enfrentamento cotidiano, não somente aqui no espaço da política, mas em todos os cantos — disse a deputada.

Ao comemorar a realização da audiência, a deputada Carla Ayres (PT-SC) exaltou o fato de haver duas deputadas abertamente lésbicas, ela e Daiana Santos, ocupando o espaço na Câmara dos Deputados.   

— Estamos aqui falando por nós mesmas e sendo a voz de muitas daquelas que já ficaram pelo caminho e daquelas que ainda estão nos territórios sofrendo muito com o preconceito, pela memória daquelas que se foram pela crueldade que ainda é ser quem somos no nosso país. Então, toda e qualquer porta aberta que este Parlamento apresenta para que possamos discutir avanços em relação às nossas pautas é extremamente relevante — comemorou.