‘Despedaçados’: um ano após primeiro caso de Covid-19 no RN, familiares falam sobre saudade dos que morreram

Luiz Di Souza tinha 61 anos — Foto: Redes sociais/Reprodução

Por Amanda Melo e Anna Alyne Cunha, G1 RN e Inter TV Cabugi — Passado um ano desde a primeira confirmação de casos de Covid-19 no Rio Grande do Norte, no dia 12 de março de 2020, muita coisa mudou e a vida é outra principalmente para os milhares de potiguares que perderam seus familiares. Eles afirmam que a dor ainda permanece.

No dia 28 de março, a Secretaria Estadual de Saúde Pública (SESAP), confirmava a primeira morte pela Covid-19 no Rio Grande do Norte. A vítima foi o professor Luiz Di Souza, de 61 anos, residente em Mossoró.

“Tem dias que já acordo chorando, passo o dia muito mal. Para mim, ainda é muito difícil acreditar”, afirma a professora e poetisa Margareth Freire, esposa de Luiz. Margareth conta que pouco antes de receber a notícia da morte, conversou com ele e o viu sorrindo. “Já vai fazer um ano, mas para mim, foi ontem. É um ano sem ele, é um ano sem nossas conversas, é um ano sem a gente poder caminhar junto. Ele continua sendo e sempre será o amor da minha vida”, declarou.

O professor universitário Dr. Luiz Di Souza era lotado no Departamento de Química, da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Ele deu entrada em um hospital privado na cidade de Mossoró, no Oeste potiguar, no dia 21 de março, com histórico de contato com um caso suspeito. Luiz era diabético e a confirmação de que ele estava com a Covid-19 só veio no dia 27 de março, um dia antes da morte.

Segundo Margareth, a morte dele foi uma surpresa, porque na época, a doença ainda era pouco conhecida. Ela nem imaginava que outras perdas ainda viriam. “Eu estou sobrevindo, tentando ser forte”, conta a mulher, que também perdeu um irmão, dois cunhados e um sobrinho, alguns vítimas de Covid, outros de infarto.

Para Margareth, além da saudade, o momento de pandemia deixou lições. “Dói no meu coração ver que as pessoas têm que esperar alguém da família, ou a pessoa em si, sentir na pele essa doença pra poder acordar para vida, digamos assim. Como é difícil pra mim ver isso. Eu sempre falo: ‘diga todo dia aqueles que você ama: eu te amo! Diga: você faz parte da minha vida’. Porque a gente não sabe quanto tempo a gente vai estar aqui. Cuidem-se e cuidem dos outros!”.

“Estamos despedaçados”

Valdenuzia Brito, de 49 anos, morreu vítima da Covid-19 no dia 17 de fevereiro em João Câmara — Foto: cedida

Segundo dados da Sesap, até esta quinta-feira (11), o Rio Grande do Norte registrou 3.829 mortes confirmadas pela Covid-19. Os números representam a dor de milhares de famílias que perderam um ou muitos entes queridos para a doença.

É o caso de Valdelucia Lucas de Brito, do município de João Câmara. Em menos de dois meses ela perdeu a mãe, dois irmãos e a cunhada.

“As perdas são inconformáveis, estamos sem chão. Minha mãe faleceu dia 21 de janeiro, minha irmã 17 de fevereiro, meu irmão dia 3 de março e a esposa dele dia 9. Dá pra imaginar como estamos? Estamos despedaçados”.

A morte da irmã de Valdelucia, Valdenuzia Lucas Brito dos Santos, de 49 anos, virou notícia porque 5 pessoas morreram no município em um período de 4 dias, o que motivou a prefeitura a publicar um novo decreto com medidas mais duras de combate a disseminação do vírus. Valdemberg Lucas de Brito, de 43 anos, irmão de Valdenuzia deu entrevista para o G1 falando sobre a morte da irmã. No dia 3 de março ele faleceu também vítima da doença.

“Vi minha família acabar da noite para o dia”

Suely Gurgel, de 40 anos , e a mãe, Ivone Gurgel, de 73, morreram vítimas da Covid-19 — Foto: Cedida

Ivone Gurgel, de 73 anos e Suely Gurgel, de 40 anos, mãe e filha também lutaram pela vida e perderam a batalha para a Covid-19. Elas foram internadas no Hospital São Luiz em Mossoró no dia 23 de novembro de 2020, intubadas no mesmo dia. Suely ficou em estado mais grave, precisava de um ECMO, uma espécie de pulmão artificial. Mas foi a mãe, Ivone, que faleceu primeiro, no dia 9 de dezembro. Suely morreu 50 dias após ser internada, em 12 de janeiro de 2021.

Luciana Gurgel, irmã e filha de Suely e Ivone relata a dificuldade em superar as perdas repentinas. “Ainda estou desorientada com a rapidez e a ‘violência’ de tudo. Sinto uma saudade infinita, um vazio sem tamanho. Cada dia que constato que elas não estão mais aqui, aumenta meu sofrimento. Me uno em oração a todas as famílias enlutadas. Mas saber que meus amores, minha mãe e minha irmã agora fazem parte dos números, é estarrecedor. Causa uma dor absurda”, disse.

Para Luciana ainda é difícil aceitar o que aconteceu. “Fico revirando as coisas delas, a casa, minhas memórias, buscando desesperadamente o cheiro das duas, alguma coisa que as traga de volta pelo menos por instante. E me custa acreditar que elas não estão mais aqui. Vi minha família acabar da noite para o dia”, declarou.

“Pode passar mil anos que ele não será esquecido”

Matheus Aciole é a segunda morte por coronavírus no RN — Foto: Arquivo da família

Matheus Aciole, de 23 anos, foi a primeira vítima da Covid-19 em Natal. Ele trabalhava com os pais e sonhava montar uma doceria. Ele morreu no dia 31 de março de 2020 em um período ainda de incertezas. “Eu achei que ele ia ficar internado por um período, mas ele ia ficar bem e ia voltar pra casa, a nossa fé era essa”, conta a empresária Elione Acioli, mãe de Matheus. Segundo ela, a morte do filho foi inesperada.

No dia 14 de março ele participou de uma formatura em Natal e dias depois começou a apresentar sintomas da doença. Até então, Matheus era a pessoa mais jovem a morrer vítima da Covid-19 no Brasil. Um ano após o início da pandemia no Rio Grande do Norte, outros jovens continuam perdendo a vida para o vírus.

“Não tem como explicar, só uma mãe que esteja passando pela mesma situação que eu. Pode passar mil anos que ele não será esquecido. Eu lembro e choro por ele todos os dias”, diz a mãe. O comerciante Manoel Balbino, pai de Matheus fala sobre como pequenos gestos do cotidiano fazem lembrar o filho.

“Todos os dias ele chegava da faculdade, a mãe ia almoçar e eu ficava esperando ele chegar aqui. De repente, ele chegava em um uber e vinha almoçar comigo. Até hoje eu fico com esperança de parar um uber aqui e ele descer pra almoçar comigo. Eu sei que isso não vai acontecer mais. Mas fica dentro de mim o amor que eu tenho por ele. Eu não vou deixar de amar ele e ele nunca vai ser esquecido”.