‘É impactante ver um colega padecer da doença’, diz médico potiguar que atua no combate à Covid-19

Médico Juliano Silveira, de vermelho, ao lado do colega médico Evanilson: os dois em atuação em casos de Covid-19 no Juvino Barreto — Foto: Arquivo pessoal

Por Leonardo Erys, G1 RN — A pandemia de Covid-19 provocou um ano atípico no Rio Grande do Norte, fez com que boa parte das pessoas mudasse a rotina e ficasse em isolamento social, dentro de casa. Os empregos foram adaptados e muitos viraram home office, numa tentativa de prevenir o contágio pelas ruas.

Enquanto isso acontecia e o vírus se espalhava pelo estado, os médicos, por sua vez, tiveram uma sobrecarga no trabalho e precisaram lidar com o estresse, o medo da doença e a tristeza das perdas de maneira muito próxima, vivendo o dia a dia de um cenário pouco aconchegante.

Um desses casos é o do médico Juliano Silveira, de 35 anos, que neste Dia do Médico, ainda segue em atuação constante na linha de frente da doença. Ele trabalha em dois hospitais públicos e um privado em Natal.

“Esses meses foram bem tensos, porque a gente teve que se desdobrar cada vez mais em conseguir dar assistência. E colegas adoeceram. E a gente teve, todo mundo, que se ajudar bastante”, relata.

O médico conta que o período de maior angústia que viveu foi quando as unidades de saúde públicas e privadas de Natal superlotaram, entre os meses de maio e junho.

“Pra mim, foi angustiante ver os pacientes sendo encaminhados para a urgência pública e não terem como ser atendidos. Ver os pacientes sendo encaminhados para urgência privada e o pronto-socorro ter que fechar as portas por falta de capacidade”, diz.

“O que gerou mais angústia na pandemia foi isso: saber que nossa rede hospitalar não estava preparada para receber essa pandemia”.

Tempo de medo e perdas

Lutando na linha de frente da batalha contra o coronavírus, os médicos e profissionais da saúde se expõem mais ao risco de contágio. Mas, apesar do receio, cumprem a missão de atender.

“Esse período realmente gera um pouco de medo, principalmente pelo nosso adoecimento e dos nossos familiares”, relata Juliano.

O médico conta ainda que os profissionais precisaram passar também por situações pouco comuns e bem delicadas, como a internação de colegas da área. “Tivemos muitos colegas com adoecimento importante, inclusive com hospitalização. Colegas de trabalho, do dia a dia”, conta.

“E é uma cena bem impactante para um médico ver outro colega médico que estava naquele convívio na luta e padece da doença”.
Ele relata que perdeu colegas e pessoas próximas nessa pandemia, inclusive um aluno de 23 anos para quem dava aula em uma universidade. “Eu tive a oportunidade de internar alguns colegas médicos na instituição em que trabalho e também vivenciei a perda de pacientes e de colegas profissionais próximos”.

O médico inclusive chegou a ter a suspeita da Covid-19 e ficou em isolamento. O resultado, no entanto, deu negativo.

Cuidado redobrado

O medo do médico também é pelos pacientes. Apesar de trabalhar em urgência, a especialidade de Juliano é a geriatria, o que o faz lidar diretamente com um dos grupos de maior risco da Covid-19, uma preocupação a mais nos atendimentos.

“Com a geriatria, minha rotina mudou muito, porque os idosos são grupo de risco. Então, teve o advento da telemedicina que veio para facilitar a comunicação entre médico e paciente”, fala.

Por vezes, no entanto, o atendimento presencial é necessário, inclusive em domicílio. Ele chegou a atender alguns pacientes com sintomas respiratórios.

“Há uma preocupação redobrada na visita do idoso no domicílio, temos todos os cuidados de paramentação. Nunca a gente faz a visita combinada com outros hospitais. Ou seja, nessa visita a gente sai de casa e, quando termina a visita, volta pra casa pra ter todo o cuidado com a higienização”.

“É um cuidado redobrado e uma atenção porque a gente sabe que a população idosa realmente sofre bastante nesse adoecimento pelo coronavírus”.
Todo material usado, ele conta, é descartável e após o uso é desprezado e sinalizado para coleta. Essa preocupação, segundo o médico, ainda vai continuar por algum tempo.

Buscar alternativas

Os médicos e profissionais de saúde têm passado por um período de desgaste físico e mental, o que pode ser sentido até na ausência da relação com as pessoas mais próximas devido ao isolamento social.

“A gente também teve que abdicar de muitas coisas gostosas que gostávamos de fazer e de pessoas queridas por causa da questão da pandemia. Então houve sim o impacto no profissional de saúde. A gente teve que se policiar em relação a isso”, diz Juliano.

Por isso, ele conta que é necessário buscar alternativas para desopilar. “A gente tem que procurar algumas ilhas de lazer, mesmo no isolamento. Mesmo em casa, procurar um hobby, alguma coisa que gosta de fazer, seja tocar um instrumento, ler um bom livro, assistir alguma coisa na televisão que não seja notícia ruim. Sempre tem que procurar alguma alternativa”.

“Eu gosto muito de assistir séries de ficção científica, de suspense, gosto de ler um pouco, gosto muito de jogos eletrônicos, de videogame. Minha verdadeira fuga confinada foram realmente essas, que infelizmente não são a realidade de todo brasileiro”, admite.

O médico segue atuante no combate à Covid-19 e seguindo as medidas sanitárias para evitar o contágio e a propagação da doença. Por isso, mantém o alerta ligado.

“Vai ser uma preocupação constante, porque a gente não tem uma previsão de encerramento da infecção pela Covid-19. A gente tem uma diminuição no número de casos, mas que ainda vai apresentar um constância nos próximos meses”.