Cientistas dizem que reabrir comércio no Rio Grande do Norte foi “equívoco”

Pesquisadores se dizem, ainda, preocupados com interiorização do coronavírus — Foto: José Aldenir/Agora RN

Por Agora RN — O Comitê Científico do Consórcio Nordeste criticou o relaxamento do isolamento social no Rio Grande do Norte. Um documento publicado nesta sexta-feira (3) pelos cientistas avalia como “equívoco” a autorização para retomada das atividades econômicas no Estado.

Os pesquisadores recomendam a adoção de “lockdown”, ou seja, um isolamento mais rígido, em todo o Estado, bem como o fechamento intermitente das divisas com o Ceará e a Paraíba.

No boletim, os cientistas ressaltam os resultados positivos da imposição de “lockdown” em cidades como São Luís (MA), Recife (PE) e Fortaleza (CE).

Mas afirmam que, apesar de ter ocorrido uma redução temporária nas taxas de ocupação hospitalar, as capitais poderão se deparar com uma avalanche de casos graves de Covid-19 vindos do interior, produzindo nova sobrecarga no sistema de saúde.

“De qualquer maneira, com um crescimento de casos da ordem de 71% em 14 dias, taxa de ocupação de leitos de UTI no máximo (100%) ou próximo disso, este comitê não consegue entender quais critérios epidemiológicos e clínicos têm sido usados pelo comitê científico local, apoiado pelo governo estadual, bem como a Prefeitura do Natal, para justificar uma reabertura, mesmo que gradual, de lojas e outras atividades econômicas na capital do Estado”, traz o boletim, que é presidido pelo médico e neurocientista Miguel Nicolelis.

Segundo o Comitê Científico do Nordeste, o afrouxamento do isolamento social não pode ser feito em locais com fator de reprodução (Rt) acima de 1 e que tenham taxa de ocupação de leitos acima de 80% (enfermaria ou de UTI). Atualmente, o Rio Grande do Norte tem a taxa de reprodução de 1,34.

Ou seja, 100 pessoas infectadas podem transmitir o novo coronavírus para 134 pessoas.

“O afrouxamento só pode ser cientificamente justificado por um Rt sensivelmente abaixo de 1, com curvas de casos e óbitos apresentando quedas consistentes e de grande monta por mais de 14 dias, e com uma taxa de ocupação de leitos ao redor de 70%”, reforça o comitê científico.

Os cientistas também se mostram preocupados com a interiorização dos casos de Covid-19 no Rio Grande do Norte. As maiores taxas de reprodução da doença estão concentradas em cidades da Região Metropolitana (Parnamirim, Macaíba e São Gonçalo do Amarante), da Região Oeste (Mossoró e Apodi) e da Região do Seridó (Caicó).

A análise feita pelo colegiado no dia 29 de junho comprova que a pandemia de coronavírus atingiu todas as regiões do Estado. As cinco cidades identificadas como tendo o maior crescimento de casos estão distribuídas por todo o território estadual: Extremoz (Grande Natal), Guamaré (Litoral Norte), Mossoró (Oeste), Jucurutu (Seridó) e Tibau do Sul (Litoral Sul).

O grupo liderado por Miguel Nicolelis também critica o Governo do Estado por não disponibilizar um representante para o Comitê. Em maio, o coordenador de Inovação Tecnológica em Saúde (Lais) da UFRN, cientista Ricardo Valentim, anunciou o seu afastamento grupo nordestino.

“Infelizmente, a contínua ausência de um representante oficial do Rio Grande do Norte no nosso comitê eliminou a comunicação direta com o governo do estado potiguar, algo que lamentamos profundamente”, aponta o organismo.

Sem comunicação, o Comitê Nordeste diz não ter acesso a qualquer informação sobre a realização de inquéritos soroepidemiológicos no estado.

O boletim técnico recomenda a “completa reversão do plano de relaxamento (ou flexibilização)” oferecido pelo comitê local do governo do Rio Grande do Norte e da Prefeitura do Natal. Segundo os cientistas, com ocupação máxima de leitos de UTI em Natal e Mossoró, não é concebível que qualquer tipo de afrouxamento do isolamento seja iniciado.

Além disso, o comitê recomenda que se estabeleça um programa estadual de testagem, para realização de múltiplos inquéritos soroepidemiológicos.

O documento também sugere que o governo estadual e a Prefeitura do Natal adotem barreiras sanitárias ao longo das entradas da cidade, principalmente a partir da rodovia BR-101, nos trechos Sul (acesso João Pessoa) e Norte (acesso para Litoral Norte).

“Este Comitê continua vendo com extrema preocupação qualquer iniciativa de relaxamento social (…) que não se baseie nos critérios estabelecidos pela OMS”, afirma o estudo.