Nordeste pode ter mais casos de covid-19 do que o Sudeste em sete dias

A diferença entre as regiões caiu 33% desde o começo de maio e atualmente é de 11.442 casos oficiais — Foto: Pedro Chaves/AGIF

Por UOL — A pandemia do novo coronavírus se espalhou pelo Brasil a partir da região Sudeste, mas a tendência é de que a região mais atingida pela covid-19 seja, muito em breve, o Nordeste. O número de casos nesta região aumentou 59% na última semana, e esta tendência joga luz sobre as diferenças sociais entre os estados.

À medida que a pandemia avança para o interior do Brasil — o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, afirmou anteontem que esse avanço ao interior é “inevitável” —, o Nordeste se aproxima mais do número de casos oficiais do Sudeste. A diferença caiu 33% desde o começo de maio e atualmente é de 11.442 casos oficiais, segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde.

O UOL projetou este crescimento médio de diagnósticos para as próximas semanas e, caso ele se mantenha, o Nordeste terá mais casos oficiais de covid-19 do que o Sudeste em apenas sete dias.

O provável, aliás, é que o Nordeste já tenha passado, mas as subnotificações impedem que a tendência já apareça nas estatísticas oficiais do Ministério da Saúde.

“Os dados são nítidos e apontam [crescimento] para as regiões mais pobres do país. Salta aos olhos”, pontua Wayner Vieira, pesquisador da Fiocruz Pernambuco. Ele observa que a subnotificação provavelmente é menor nos estados em que os serviços de saúde são melhores.

“São taxas de crescimento altíssimas”

Com base na incidência (os casos oficiais divididos por 1 mil habitantes), Vieira calculou a taxa de aceleração do aumento de diagnósticos de covid-19 em cada estado brasileiro. A conclusão é clara: acima da média nacional, cuja razão de aceleração da incidência é de 7 vezes, estão os estados do Norte e do Nordeste (à exceção do Rio Grande do Norte). Os demais estados ficam abaixo.

“São taxas de crescimento altíssimas, e os hospitais têm capacidade limitada. Não dá mais para ficar regulando a torneira, abrindo ou fechando, porque no copo só cabem mais duas gotas. Qualquer vazão agora é desastre”, alerta Wayner Vieira.

No início de maio, o Nordeste correspondia a cerca de 30% do total de casos oficiais de covid-19 no Brasil. Hoje, esta proporção já é de 34,6%. Trata-se da região com maior crescimento proporcional, seguida pelo Norte (que tem 19,5% dos casos). Já o Sudeste abriu o mês concentrando metade dos diagnósticos, e hoje corresponde a 38%. Sul e Centro-Oeste seguem no mesmo patamar.

Para referência, o Nordeste concentra 27,1% da população brasileira, segundo o último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

“Há um despreparo destas regiões”, diz o infectologista Bernardino Albuquerque, presidente do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus da UFAM (Universidade do Amazonas), concorda que os dados apontam para a aceleração da doença nas regiões mais pobres do Brasil.

“Há um despreparo destas regiões [Norte e Nordeste] para fazer o enfrentamento de uma situação como esta. Esta atenção deveria ter sido planejada com muita antecedência: não só a criação de leitos e a compra de respiradores, mas a própria reorganização do sistema de saúde”, explica Albuquerque, para quem a pandemia torna ainda mais clara a desigualdade social entre as regiões do País.

“Essa epidemia é muito aguda, e o Brasil tem um longo histórico de diferenças sociais, inclusive regionalizadas”, reforça Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP).

“A epidemia tem evidenciado essas diferenças, com toda a certeza. Não só na taxa mais acelerada do Nordeste, mas também dentro das próprias cidades”, acrescenta, referindo-se à maior letalidade nas periferias das grandes cidades.