A cada morte por coronavírus, seis a dez pessoas são impactadas pela dor do luto, dizem especialistas

As mortes da pandemia trazem características específicas que podem complicar a recuperação emocional após a perda — Foto: Michael Dantas/AFP

Por Elida Oliveira, G1 — Os números de mortos por Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, mostram que a pandemia não para de crescer no Brasil. Especialistas estimam que, a cada morte, há cerca de seis a dez pessoas sofrendo um luto profundo – como familiares e amigos mais próximos. Isso faz com que a epidemia tenha impactos mais abrangentes além dos números oficiais. De acordo com o balanço do Ministério da Saúde, o Brasil registrava 5,9 mil mortos por Covid-19 até esta sexta-feira (30); e 85,3 mil casos confirmados.

As mortes da pandemia trazem características específicas que podem complicar a recuperação emocional após a perda. A alta transmissibilidade torna comum que uma família tenha mais de um infectado – e a morte pode trazer culpa e medo para quem está doente. Além disso, há o isolamento no hospital e a morte solitária, o que impede o acompanhamento da doença e a despedida dos familiares. Depois, vêm os enterros sem rituais, abraços e apoio do círculo mais próximo. Para profissionais de saúde, as inúmeras mortes a que são submetidos podem trazer um sentimento de incapacidade de resposta.

“O luto é a resposta natural à perda. É complexo, multifacetado, e tem diferentes pensamentos, sentimentos, ações e reflexos no corpo. Em sua forma inicial, o luto profundo, quase sempre há saudade e a tristeza, ao lado da ansiedade, amargura, raiva, remorso e culpa. É incrivelmente doloroso e preocupante, dificultando a concentração em qualquer outra coisa”, afirma Collen Bloom, gerente e uma das fundadoras do Centro de Luto Profundo, da Columbia University, EUA, em entrevista ao G1.

“Muito frequentemente, as pessoas [vítimas da pandemia] morrem em um contexto em que outras pessoas também estão doentes na família. Quem se recupera vive a morte do seu ente querido, e pode se culpar por ter sobrevivido ou passado o vírus para a outra pessoa”, afirmou Katherine Shear, presidente do Centro de Luto Profundo, durante uma palestra pela internet em 22 de abril.

Segundo Bloom, o impacto da pandemia pode ser estimado seguindo um antigo estudo epidemiológico feito no Japão e nos Estados Unidos. De acordo com a pesquisa, cada morte impacta diretamente na saúde emocional de uma a seis pessoas, que são em média mais próximas à vítima. Já Ana Claudia Arantes, geriatra com especialização em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium e Universidade de Oxford, afirma que é possível estimar o impacto na vida de até dez pessoas.

Anna Carolina Lo Bianco, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, a falta de ritos funerários neste momento de pandemia terá consequências para o processo de luto. Ela também cita que o isolamento social afeta o apoio mútuo dado após a morte, uma importante ferramenta social para vivência da despedida.

“O momento do velório, do enterro ou da cremação é aquele em que aos poucos vamos nos acostumando à ideia de que não estaremos mais com quem faleceu. Mas o que fará mais falta, talvez, seja o período que se segue, o de chorarmos juntos, de nos consolarmos uns aos outros e repetirmos o quanto estamos tristes, desesperançosos, e sofridos. A impossibilidade de estarmos fisicamente uns com os outros, nos abraçarmos e aos mais próximos, que muitas vezes estarão sofrendo o mesmo que nós, é o que mais assusta e nos deixa desamparados neste momento”, opina.

A morte tira o sentimento de segurança de um mundo que já não existe mais e pode comprometer a retomada das atividades econômicas após a quarentena para quem vive o luto, afirma Arantes.

“Você é invadido por um processo de transformação da perda dessa pessoa na sua vida. Isso pode atingir a capacidade física, e reduzir a imunidade. Há o comprometimento da tomada de decisões e de completar tarefas. Estudos apontam um risco maior de acidentes após a perda de alguém querido, porque fica mais desatento e desconectado da realidade”, afirma.

Rodrigo Luz, fundador da fundação Elisabeth Kübler-Ross, sobre luto e cuidados paliativos, afirma que os cuidados tomados agora para evitar mortes terá reflexos após o fim da quarentena. “O que precisamos hoje é cuidar das pessoas para que elas possam o mais rápido possível se recuperar e se integrar à vida. É preciso saber que, quanto mais expomos essas pessoas a riscos desnecessários, mais difícil vai ser essa integração”, afirma.

Luz cita que as mortes da pandemia atingem a população de formas diferentes. Há o impacto primário, em familiares e amigos; o secundário, naqueles que perderam empregos e vivem a perda da sua imagem profissional e da segurança econômica (luto simbólico); e o terciário, onde é possível enquadrar toda a população mundial, e vive a ansiedade da morte.

“É como se toda humanidade, de repente, tivesse recebido o exame da biópsia de um câncer, por exemplo, mas não consegue abrir. É como se todos nós estivéssemos lidando com essa ansiedade em relação à morte e ao morrer. De uma certa forma, todos estamos no nível terciário, mas em estágios diferentes de lidar com essa experiência”, afirma.

“Somos obrigados todos os dias a lembrar que nossa vida tem um fim, e isso nos lança em um espaço de crise. Mas toda crise também é um crescimento. A grande questão é o quanto vamos aproveitar para crescer em sabedoria, amor, claridade, escolhas que fazem mais sentido a integrar as nossas vidas à nossa melhor versão”, diz Luz.

Para quem está em luto, ele aconselha que o sentimento seja acolhido, sem julgamentos. Caso não tenha sido possível estar presente na hora da morte, o ideal é não se culpar. “Não reduza a pessoa à hora da morte. Você pode não ter podido estar lá, e é óbvio que tem direito à dor de não estar no velório e enterro, mas lembre-se de todos os outros momentos em que vocês estiveram juntos e honre a memória desta pessoa.”