Promotor diz que, mesmo com vetos, lei do abuso de autoridade é “muito ruim”

Wendell Beetoven, da 19ª Promotoria de Justiça de Natal, criticou duramente o texto aprovado no Congresso — Foto: Arquivo pessoal

Do portal Agora RN — Num longo texto publicado em sua conta do Facebook neste final de semana, o promotor de Justiça Wendell Beetoven Ribeiro Agra, da 19º Promotoria de Justiça de Natal, criticou o texto da lei do abuso de autoridade, que está na mesa do presidente Jair Bolsonaro. Para ele, mesmo com os possíveis vetos presidenciais prometidos, ainda sim “o que se terá será uma lei muito ruim”.

Segundo o promotor, que atua no controle externo da atividade policial, “ninguém sabe exatamente quantas leis penais existem no país, nem mesmo os agentes públicos encarregados de fazer cumpri-las, como policiais, promotores e juízes”.

Referiu-se ao fato do Brasil ter uma das legislações penais “mais extensas do mundo, com crimes previstos no Código Penal comum, no Código Eleitoral e num sem-número de leis extravagantes”. Lembrou ainda que o primeiro Código Penal da República, de 1890, apenas dois anos depois da abolição da escravatura, criou o crime de capoeiragem, com pena de 2 a 6 meses de prisão.

“Jogar capoeira só deixou de ser crime em 1937 e, desde 2014, essa prática de nossa herança cultural afro-brasileira é considerada pela Unesco patrimônio imaterial da humanidade”, afirmou o promotor ao mencionar o meio século de perseguição e marginalização a que foram submetidos os capoeiristas no Brasil.

Mas este, segundo Wendell, não foi o único caso de “estupidez legislativa”, ao qualificar que a “nossa legislação é pródiga em criminalizar condutas”.

Lembrou o Código Penal Militar, de 1969, que previu como crime a pederastia (art. 235), a despeito do STF tenha, em 2015, considerado incompatível com a Constituição a expressão “homossexual ou não” por ofensa aos preceitos fundamentais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do direito à opção sexual.

Cita o art. 178 do Código Penal comum, que estabelece pena de um a quatro anos de prisão para quem emitir conhecimento de depósito de warrant, em desacordo com disposição legal, “apesar de quase ninguém saber que diabos é warrant”, diz o promotor.

Para ele, “a situação só não é pior porque os estados e municípios não podem legislar em matéria penal, uma vez que a Constituição Federal determina que apenas a União pode criar leis penais”. Na opinião de Wendell Beetoven, “a falta de razoabilidade e de racionalidade das leis penais levam invariavelmente à sua inaplicabilidade”. E conclui:

“É um dos textos mais infames e desprovidos de técnica já produzidos pelo Congresso Nacional. Se sancionada, a nova lei dificilmente resultará em condenações definitivas pelo Poder Judiciário (confirmada por suas várias instâncias) porque os tipos penais, da forma como redigidos, os tornam difícil aplicabilidade pelas instâncias técnicas do sistema de justiça criminal”.

Apesar da declaração do presidente Jair Bolsonaro de que pretende vetar nove pontos do projeto de abuso de autoridade, aprovado na Câmara dos Deputados em agosto, líderes do Congresso afirmam que vão intensificar os trabalhos esta semana para tentar reverter esses vetos e, assim, evitar que sejam derrubados quando passarem pela chancela do Congresso.

O relator da proposta na Câmara, deputado federal Ricardo Barros, disse ao jornal O Globo que pelo menos quatro pontos não deveriam ser retirados da legislação: a condenação por negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação; a possibilidade de perda do cargo, mandato ou função pública a partir da condenação (em caso de reincidência); a condenação por obtenção de prova por meio manifestamente ilícito; e decretar prisão ou deixar de conceder liberdade em manifesta desconformidade com a lei.