Marqueteiros relatam a Moro prática de caixa 2 em campanhas eleitorais de Lula

Marqueteiros João Santana e Mônica Moura (Henry Milleo/ Arquivo Gazeta do Povo)

Os marqueteiros João Santana e Mônica Moura detalharam, em depoimento prestado ao juiz federal Sergio Moro nesta segunda-feira, 5, o pagamento via caixa 2 por campanhas políticas do Partido dos Trabalhadores (PT), inclusive nas campanhas de eleição e reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Monica relatou ainda que o partido tinha interesse em uma vitória do candidato de esquerda em El Salvador, em 2009, e pediu que Santana fizesse a campanha.

Os dois prestaram depoimento como testemunhas de acusação do Ministério Público Federal (MPF) no processo envolvendo o sítio em Atibaia. Lula e outras 12 pessoas são rés na ação penal. O ex-gerente da Petrobras, Eduardo Musa, também prestou depoimento nessa segunda. Apesar da denúncia tratar sobre pagamento de propina da Odebrecht para Lula através da reforma no sítio, nenhuma das testemunhas de acusação ouvidas por Moro fez referências a esse caso específico.

O foco dos depoimentos de João Santana e Mônica Moura foi o uso de caixa 2 em campanhas de Lula e do PT, em geral. “Não existe campanha política no Brasil sem dinheiro não contabilizado, quer dizer, caixa dois. Não se faz. Se alguém disser que faz, não está falando a verdade”, disse Mônica, já no início do depoimento a Moro.

O casal fez acordos de colaboração premiada com o MPF na Lava Jato. Ela relatou que pelo menos desde 2002, quando abriu sua empresa de marketing político, recebe via caixa 2 para fazer campanha para diversos partidos políticos. A publicitária contou que seu contato no PT era principalmente com o ex-ministro Antonio Palocci e com o ex-tesoureiro da legenda, João Vaccari Neto.

Mensalão

Ao ser questionada por Moro sobre a campanha de reeleição de Lula em 2006, Mônica disse que o custo total do trabalho foi de R$ 18 milhões a R$ 20 milhões, e que recebeu R$ 10 milhões via caixa 2. Moro perguntou se o escândalo do mensalão, que teve seu ápice em 2005, não inibiu a prática. “João teve essas conversas com eles de que era um risco. Durante algum tempo ele conseguiu dizer que não faria assim, mas a gente acaba aceitando e fazendo do mesmo jeito”, respondeu.

“Quando estava pra negociar o contrato, eu falei com Palocci e disse que, tendo em vista a crise que eles tinham tido justamente por financiamento ilegal de campanha, seria fundamental que nessa campanha fosse toda legal e não tivesse nenhum tipo de caixa 2. Ele concordou, na primeira conversa, e no decorrer sentou com Mônica e já disse que teria dificuldade de cumprir tudo oficialmente. Dois meses depois, ele conversa comigo e disse que era impossível cumprir de forma oficial, mas tem uma forma segura da parte não-oficial”, contou Santana.

Sobre os pagamentos via caixa 2, Mônica destacou que essa era uma decisão unicamente dos partidos. “Eu consegui cada vez mais aumentar o valor do caixa um. Era muito menos risco, era muito mais tranquilo, você trabalhava de uma forma completamente sem perigo, não tinha que carregar mala de dinheiro para lugar nenhum, era absolutamente [decisão] dos partidos [fazer caixa 2]. Sempre o mesmo discurso de que tem um teto, que tem um limite, que o marketing político é muito caro e o valor total não pode ser pago”, disse Mônica.

Campanha internacional

Mônica também contou que, a pedido do PT, o casal atuou na campanha para a presidência em El Salvador, em 2009. Segundo a publicitária, a atuação do casal foi um pedido do ex-ministro Gilberto Carvalho. “O PT tinha interesse, não só em El Salvador, como na América Latina, que a esquerda ganhasse as eleições e chamou o João, porque achava que o João seria interessante para fazer essa campanha”, contou Mônica.

Segundo ela, o PT não financiou a campanha estrangeira, mas pediu que a Odebrecht o fizesse. “Foi uma campanha muito difícil, que não tinha dinheiro, e o PT intermediou, eu negociei com o Palocci isso, que a Odebrecht pagaria uma parte dos nossos valores. Foi uma campanha muito barata para os nossos padrões”, disse Mônica. Ela contou que o casal recebeu US$ 1,5 milhão da Odebrecht via caixa 2 para atuar na campanha de Maurício Funes, que acabou vencedor.

Entenda o caso

De acordo com a força-tarefa, Lula teria recebido propina em benefício próprio por meio de obras e benfeitorias relacionadas ao sítio de Atibaia, que teriam sido custeadas pelas empresas Schahin, Odebrecht e OAS.

De acordo com a acusação, houve o pagamento de propina de pelo menos R$ 128 milhões pela Odebrecht em quatro contratos firmados com a Petrobras, além de vantagens indevidas de R$ 27 milhões, pagas pela OAS, em três contatos com a estatal. O MPF afirma que esses valores foram repassados a partidos e políticos da base de Lula, principalmente o PT, PP e PMDB.

Parte das propinas pagas pelas duas empreiteiras – cerca de R$ 870 mil – teria sido lavada com as reformas, obras de benfeitorias e aquisição de móveis para o sítio de Atibaia, todas feitas para beneficiar e adequar o imóvel às necessidades da família de Lula. Outra parte da propina – dessa vez relacionada com a contratação para operação da sonda Vitória 10000, da Schahin pela Petrobras – foi objeto de lavagem de dinheiro, por intermédio de José Carlos Bumlai, para reformas estruturais e de acabamentos do sítio. Isso teria custado R$ 150,5 mil.

Indícios

Ao aceitar a denúncia contra o ex-presidente, em agosto do ano passado, Moro afirmou que os indícios colhidos durante as investigações da Polícia Federal e do MPF mostravam que Lula se comportava como dono do sítio. Uma perícia realizada no local pela PF mostrou que só havia objetos de Lula e sua família no imóvel. Em novembro, um engenheiro da Odebrecht entregou à Moro uma planilha com R$ 700 mil para obras no sítio em Atibaia.

A defesa de Lula nega que ele seja proprietário do sítio e alega que o ex-presidente frequentava o local apenas como convidado de Fernando Bittar.

Matéria extraída da Gazeta do Povo