Retirada de detentos de presídio em Natal foi negociada com facção criminosa

Tropas do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) entraram nesta quarta-feira no presídio de Alcaçuz, na Região Metropolitana de NatalFoto: Josemar Gonçalves/Stringer/Reuters

O Globo – O governo do Rio Grande do Norte decidiu negociar com o PCC para tentar retomar — ainda esta semana — o controle da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na Grande Natal. O presídio, o maior do estado, foi palco da matança de pelo menos 26 detentos no fim de semana. Segundo informações obtidas pelo GLOBO, uma delegada da Polícia Civil e um oficial da Polícia Militar foram designados para conversar com criminosos. O objetivo da negociação é evitar novo confronto com o Sindicato do RN, bando local rival da facção paulista.

Os policiais negociadores receberam a missão de descobrir as exigências dos presos e identificar quais delas poderiam ser atendidas. Uma das reivindicações foi atendida nesta quarta-feira: um grupo de 220 detentos, ligados à facção local, foi transferido do presídio de Alcaçuz, na Região Metropolitana de Natal, para a Penitenciária Estadual de Parnamirim (PEP). A retirada dos presos foi concluída entre 18h30m e 18h39m, mais de três horas após as tropas do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) entrarem na unidade.

A remoção dos presos foi uma nova tentativa de o estado retomar o controle da unidade. Para a retirada dos detentos, foram usados quatro ônibus de turismo locados. Pela manhã, a Secretaria estadual de Segurança do Rio Grande do Norte já havia transferido 119 detentos do PEP para o Complexo Raimundo Nonato, na Zona Norte da capital potiguar.

Logo depois da transferência dos presos de Alcaçuz, houve tumulto do lado de fora, quando mulheres de presos atearam fogo em alguns objetos em frente à penitenciária para tentar impedir a remoção dos detentos. Nas ruas, incêndios simultâneos foram registrados em bairros de Natal. A Polícia não confirma que os ataques foram em retaliação às transferências, mas ao menos 12 ônibus e um veículo oficial do governo do estado foram incendiados.

Segundo o major Eduardo Franco, da assessoria de comunicação da PM, a penitenciária foi “toda apaziguada”. Os pavilhões 1 e 2 foram invadidos pelos agentes, e bombas de efeito moral foram detonadas. O complexo, no entanto, continua dominado pelos presos.

Outro pedido: a facção paulista demandou a transferência de cinco detentos, identificados como chefes do bando, para alguma penitenciária federal. O estado já enviou ao Departamento Penitenciário Federal (Depen) a solicitação de transferência desses criminosos. Os integrantes desta facção ocupam o presídio Rogério Coutinho Madruga, conhecido como pavilhão 5 de Alcaçuz. Dos quatro pavilhões de Alcaçuz, três abrigam detentos rivais.

A negociação com presos, por parte da PM, começou já na segunda-feira, quando homens do Batalhão de Choque entraram em Alcaçuz e debelaram, mesmo que por algumas horas, a rebelião iniciada na tarde de sábado. Anteontem, uma reunião entre o secretário de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed), Caio Bezerra, o secretário de Justiça e Cidadania (Sejuc), Wallber Virgolino, além de outros integrantes do setor de inteligência estadual, decidiu que as negociações seriam encabeçadas pelos dois policiais designados.

O setor de inteligência teria escolhido negociar com a facção paulista porque esta teria mais força no estado. A ordem foi para manter diálogo com os detentos cabendo ao delegado-geral de Polícia Civil e ao comandante-geral da Polícia Militar indicar os negociadores.

De acordo com a assessoria de imprensa do governo, o estado designou duas pessoas como representantes, mas não para negociar e, sim, para “conversar e manter um contato” com os detentos porque, segundo a assessoria, é preciso existir comunicação. “É o que a polícia chama de verbalização”. A assessoria não comentou sobre o atendimento às exigências dos presos.

Na semana passada, no dia 10, antes da rebelião em Alcaçuz, o secretário Virgolino reconheceu que alguns estados “fazem um acordo tácito com os presos” para “não bagunçar, não matar ninguém, não fazer rebelião” e afirmou que, no Rio Grande do Norte, criminosos não tem regalias. “O estado recua, fica com medo do preso, e começa a aceitar de forma involuntária tudo do preso”.

Na mesma lista de medidas previstas para a retomada do controle de Alcaçuz estão a contratação de 700 agentes penitenciários e a nomeação do procurador Frederico Martins para ser o responsável pelo trâmites jurídicos da crise no sistema penitenciário.

OBRAS ESTRATÉGICAS PARA VOLTAR AO CONTROLE

O mesmo grupo que decidiu negociar com a facção também definiu como prioridade a conclusão da perimetral externa da Penitenciária com brita e asfalto e a solicitação de tubos à Petrobras para reconstruir o muro que separa os presos do pavilhão 5 e do pavilhão 4. Um anteprojeto de lei de convocação dos reservistas da Polícia Militar também deve ser analisado com urgência. A Assembleia Legislativa antecipará a volta do recesso para apreciar a convocação dos reservistas e também de professores temporário para educação dos presos.

Na rebelião iniciada no sábado, celas e salas do Rogério Coutinho — uma das poucas unidades prisionais do RN que ainda estava em perfeito funcionamento — foram destruídas. Em Alcaçuz, desde 2015, o presídio não tem grades nas celas. Os presos passam os dias soltos pelos pavilhões e pátios.

O motim foi encomendado por chefes da facção de São Paulo. Eles teriam agido por vingança, depois da matança no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), no Amazonas, comandada pela Família do Norte. Em Alcaçuz, cerca de 700 presos do bando local são filiados ao Sindicato do RN, facção aliada da FDN.

O setor de inteligência identificou que agentes penitenciários teriam sido “comprados” para abandonar o portão de aço que separa membros das duas facções rivais ao anoitecer, pouco depois do horário de visita dos presos. “As mulheres foram orientadas a levar mais comida para os maridos”, afirma um investigador, na condição do anonimato. Armas e outros objetos teriam sido jogados para dentro do presídio.

Fonte: O Globo.com