Falta de verba e de planejamento ameaça futuro da transposição do São Francisco

A constatação está em auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) (Foto: Tiago França/MPF/PB)

UOL – Inaugurada parcialmente há um ano, a transposição do Rio São Francisco corre riscos por falta de planejamento para manutenção e operações, além de carecer de garantias de verbas para custeio. A constatação está em auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União).

O relatório também apontou falhas que podem comprometer a sustentabilidade da obra, que já custou R$ 10,7 bilhões e ainda está em fase de execução no eixo norte. Para a CGU, o custo final estimado é de R$ 20 bilhões.

O eixo leste da transposição foi inaugurado pelo presidente Michel Temer (MDB), em março de 2017, enquanto o eixo norte está com mais de 90% das obras prontas e deve ser inaugurado “ainda neste ano”, segundo o governo.

O eixo leste teve direito a “inauguração popular”, realizada nove dias depois da oficial pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT, que reivindicaram a “paternidade” da obra.

O canal já inaugurado tem 217 km e corta cinco municípios pernambucanos até a divisa com a Paraíba. Segundo o Ministério da Integração Nacional, 1 milhão de pessoas já saíram do colapso do abastecimento.

Mas, segundo a análise da CGU, “verificou-se que não há um planejamento estruturado” para operação e manutenção da obra. “Não foi elaborado cronograma com tarefas/atividades, duração, vínculos de precedência e responsável”, aponta.

Ainda segundo o documento, o Ministério da Integração Nacional “não detém estrutura adequada para a gestão da transposição”. Além disso, não haveria “mecanismos de direcionamento estratégico e controle que proporcionem maior previsibilidade e assegurem a execução do programa”.

CGU aponta ameaças à transposição por falta de planejamento e dinheiro (Foto: Tiago França/MPF/PB)

“Em primeiro lugar, não há um Plano de Gestão de Riscos. Há apenas uma lista de riscos simples, genérica e que retrata somente um momento do tempo. Em segundo, foram identificadas uma série de lacunas, pendências e fragilidades no modelo de gestão que não fornece as condições adequadas, bem como os instrumentos suficientes e na qualidade requerida à operação e manutenção”, informa.

Para a controladoria, “é determinante realizar uma análise de riscos de todo o projeto e seu ambiente, para que a maior quantidade de possíveis riscos seja identificada e analisada, a fim de estabelecer respostas proativas a eles”.

Recursos para manutenção em risco
Segundo a avaliação, ainda não é possível saber se os custos de aquisição de energia serão suficientes para garantir a viabilidade do empreendimento. Diz o estudo haver “incertezas e fragilidades” por faltarem estudos e planejamento energético de longo prazo e do uso de autoprodução de energia.

No estudo, há, por exemplo, simulações sobre o custo de energia do bombeamento. Foi necessário instalar estações-elevatórios, que funcionam como bombas e levam a água a um ponto mais alto, de onde por gravidade desce aos canais.

Esse custo de energia “poderá variar entre R$ 0,10/ m³, em um cenário otimista de aquisição de energia, a R$ 0,46/m³, em um cenário pessimista de aquisição de energia”.

O resultado pode ser a inviabilidade do pagamento pelos estados. “O repasse desses custos para as tarifas de saneamento, considerando perdas de 50% no setor de saneamento, 3% de perdas elétricas e 25% de impostos, representarão aumentos variando entre 5% no cenário mais otimista a 21% no cenário mais pessimista. Os valores a serem arcados pelos quatro estados poderão ascender a cerca de R$ 800 milhões anuais considerando o cenário pessimista.”

Para a CGU, trata-se de um “valor extremamente elevado”, se for levada em consideração a situação fiscal dos quatro estados receptores. “A simulação poderá indicar cenários ainda mais críticos caso se considere os custos de energia que estão sendo praticados no mercado livre”, afirma.

Relatório aponta falhas na execução do projeto no Nordeste (Foto: Tiago França/MPF/PB)

O que diz o governo?
Em resposta ao UOL, o Ministério da Integração Nacional informou que priorizou estruturas que estavam no “caminho das águas” com o “objetivo de atender rapidamente à população com risco de colapso no abastecimento”.

“A estratégia possibilitou a chegada da água a Monteiro (PB), em janeiro de 2017, e ao reservatório Epitácio Pessoa, em Boqueirão (PB), em março de 2017. É importante destacar que a ordem de agilizar a chegada das águas reduziu a previsão de atraso apontada pela CGU”, disse.

A pasta garante que operação e manutenção do projeto “sempre foram tratadas com a mesma prioridade em relação à execução do empreendimento”. “O órgão federal responsável por essa função –a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf)– está, inclusive, alterando sua estrutura organizacional e criando uma área específica com essa finalidade”, informou.

Sobre o modelo de gestão da operação do projeto, a pasta diz que “tem sido amplamente discutido” com órgãos integrantes do sistema, como a Casa Civil da Presidência, o Ministério da Fazenda e governadores dos estados beneficiados. O ministério informou que a ANA (Agência Nacional de Águas) já estabeleceu, em 2016, o modelo tarifário a ser aplicado ao projeto São Francisco.

No que diz respeito à sustentabilidade da transposição, a pasta diz que “se trata de uma contínua preocupação do governo federal”.

Um dos problemas é que existe um termo de compromisso assinado ainda em 2005 entre a União e os estados beneficiados (Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba). Mas o Ministério da Integração reconhece que o cenário econômico do país mudou, e a perspectiva dele está sob análise.

Transposição em Monteiro, na Paraíba (Foto: Tiago França/MPF/PB)

“Por isso, está em busca de soluções que viabilizem o projeto de forma mais eficiente para todos os envolvidos. Há tratativas com o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) em busca de estratégias para garantir melhor custo-benefício à operação do sistema, hoje com estimativa de investimento médio de R$ 500 milhões ao ano. Estudos estão sendo feitos, com possibilidade de uma PPP (parceria público-privada) ou outras soluções alternativas de autogeração de energia elétrica, que possam suprir a demanda do projeto São Francisco”, informou.