MPT justifica ação contra a Guararapes e diz que empregados de facções têm “menos direitos”

Funcionárias trabalham para cumprir metas da lousa, modelos das peças são definidos pela Guararapes - Foto: Lilo Clareto
O Ministério Público do Trabalho (MPT) justificou nesta quinta-feira, 14, que a Ação Civil Pública ajuizada contra a empresa Guararapes, para sua responsabilização quanto aos direitos trabalhistas dos empregados de facções de costura, foi elaborada diante da constatação de que, apesar de estarem indiretamente ligados à Guararapes, esses funcionários têm “menos direitos trabalhistas” do que os empregados contratados diretamente pela empresa.

No processo movido contra a Guararapes, o Ministério Público do Trabalho pede o pagamento de uma indenização de mais de R$ 37,7 milhões, correspondente a parte do lucro obtido pela empresa com o trabalho terceirizado das facções.

Em nota assinada pelo procurador-chefe substituto, Aroldo Teixeira Dantas, a Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região assinala que, antes de a peça ser redigida, houve inspeções realizadas em mais de 50 facções de 12 municípios potiguares. Na oportunidade, segundo o MPT, foram ouvidos trabalhadores e faccionistas, “que relataram as dificuldades financeiras pelas quais vêm passando para pagar salários, 13° e férias”.

O baixo preço da costura de peças pago pela Guararapes (R$ 0,35 por minuto), bem como a falta de regularidade no envio das peças, o que não garante a continuidade do serviço nas facções, são, segundo as testemunhas, a principal razão para a crise.

O MPT aponta também que, por causa das dificuldades para cobrir os custos operacionais, diversas facções tiveram de encerrar as suas atividades e os proprietários estão endividados, pois tiveram de financiar a compra de equipamentos que atendessem às especificações técnicas estabelecidas pela Guararapes.

Na nota de esclarecimento, o Ministério Público do Trabalho rebate ainda a alegação de que o modelo de facções, sustentado pela demanda da Guararapes, gerou mais empregos no Rio Grande do Norte. A Procuradoria afirma que a empresa apenas transferiu empregos diretos de sua fábrica para as facções, reduzindo seu quadro de funcionários próprios e transferindo para essas microempresas todo o risco de atividade econômica.

“O Cadastro Geral de Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho demonstra que não houve criação de novos empregos, pois em dezembro de 2013 (ano de criação do Pró-Sertão) a Guararapes contratava 10.034 empregados, e em abril de 2017, o seu quadro de pessoal era de 7.539 empregados”, diz a nota do MPT.

PRÓ-SERTÃO

O modelo de compartilhamento de produção que gerou a ação do MPT contra a Guararapes foi estabelecido por meio do Pró-Sertão, programa criado em 2013 por Governo do Estado, Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern) e Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Pelo programa, parte da produção de confecções é efetuada por facções têxteis do interior. À Guararapes, que compra o que é produzido nessas microempresas e é responsável pela manutenção do programa, cabe finalizar e comercializar as peças.

A ação do MPT, que pede que a Guararapes se responsabilize pelos direitos trabalhistas dos funcionários das facções, gerou protestos no meio empresarial. No próximo sábado, 16, um ato está programado para acontecer em São José do Seridó, que abriga muitas das facções pertencentes ao Pró-Sertão.

Confira a nota na íntegra:

Sobre a ação civil pública contra a Guararapes Confecções S/A (ACP 0000694-45.2017.5.21.0007), o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Norte esclarece que:

1. A ação proposta contra a empresa Guararapes, para sua responsabilização quanto aos direitos trabalhistas dos empregados das facções de costura, foi elaborada pelo Grupo de Procuradores do Trabalho vinculados à Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes – CONAFRET, que realizou inspeção nas facções e analisou as condições de trabalho e o conteúdo dos contratos de facção utilizados pela Guararapes. A ação não foi proposta contra nenhuma facção de costura e não tem por fundamento a ilicitude da terceirização, mas a existência de subordinação estrutural e responsabilidade solidária.

2. O MPT realizou inspeção em mais de 50 facções, em 12 municípios, e constatou que os empregados das facções recebem menor remuneração e têm menos direitos trabalhistas do que os empregados contratados diretamente pela Guararapes, inclusive quanto à saúde e segurança do trabalho. Na inspeção, foram ouvidos trabalhadores e faccionistas, que relataram as dificuldades financeiras pelas quais vêm passando para pagar salários, 13º e férias, pois o preço da costura das peças, fixado pela Guararapes (atualmente R$ 0,35 o minuto), não é suficiente para cobrir os custos operacionais.

3. Muitas facções já foram forçadas a encerrar suas atividades e seus proprietários se encontram endividados, porque tiveram que financiar as máquinas e equipamentos de costura, adquiridas de acordo com as especificações técnicas fornecidas pela Guararapes, para a costura de jeans.

4. Os contratos de facção utilizados pela Guararapes são contratos de adesão, porque as microempresas de facção não negociam suas cláusulas e as obrigações são estipuladas unilateralmente pela Guararapes, inclusive o preço a ser pago, e o contrato não prevê aviso prévio, em caso da Guararapes suspender o envio de peças para costura.

5. A Guararapes não garante o envio regular de peças para as facções de costura, podendo diminuir a quantidade de peças enviadas, de acordo com os seus interesses, situação que tem sido, ao lado do preço do serviço estipulado no contrato, causa do fechamento de facções.

6. A própria Guararapes informou que transferiu 17% da sua produção, no Município de Extremoz, para as facções do Pró Sertão. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho demonstra que não houve criação de novos empregos, pois em dezembro de 2013 (ano de criação do Programa Pró Sertão) a Guararapes contratava 10.034 empregados, e em abril de 2017, o seu quadro de pessoal era de 7.539 empregados. A conclusão é que a Guararapes não gerou novos empregos no RN, mas transferiu empregos diretos da sua fábrica para as facções, transferindo para essas microempresas todo o risco da atividade econômica.

7. Centenas de ações individuais já foram propostas pelos empregados demitidos das facções, na Justiça do Trabalho, cobrando parcelas rescisórias que não foram pagas e, inclusive, alegando a responsabilidade da Guararapes pelo pagamento dessas verbas.

8. Os fatos verificados na inspeção e que fundamentam a ação do MPT estão demonstrados no processo por meio de depoimentos, fotos, vídeos, laudos periciais e informações apresentadas por órgãos públicos e pelo Banco do Nordeste.

9. O pedido de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 37.723.000,00 (trinta e sete milhões setecentos e vinte e três mil reais), corresponde a parte do lucro obtido com o trabalho das facções. O lucro líquido consolidado da Guararapes/Riachuelo, em 2016, foi de R$ 317.600.000,00 (trezentos e dezessete milhões e seiscentos mil reais). Em caso de condenação, o valor deverá ser destinado a instituições sem fins lucrativos.

Aroldo Teixeira Dantas
Procurador-Chefe Substituto
Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região