Número de mortos na Penitenciária Estadual de Alcaçuz pode se aproximar de 100

Até o momento, Governo do Estado confirma 26 presos mortos no massacre de Alcaçuz (Foto: Divulgação/PM)

Por Anderson Barbosa e Andréa Tavares
G1 RN

Um relatório elaborado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) – órgão da União independente, mas que funciona em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos – aponta que o número de mortos no massacre de Alcaçuz pode chegar a 90.

Dados coletados pelos peritos que elaboraram o documento revelam que 71 detentos da unidade estão ‘desaparecidos’. Oficialmente, segundo o Governo do Estado, 26 presos foram mortos durante as rebeliões de janeiro e 56 considerados fugitivos.

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O G1 entrou em contato com a assessoria de comunicação da Secretaria de Justiça e da Cidadania (SEJUC), responsável pelas unidades prisionais do estado, mas até o momento o órgão não se posicionou sobre o resultado do relatório.

O ‘Massacre de Alcaçuz’, episódio mais violento da história do sistema penitenciário potiguar, aconteceu no dia 14 de janeiro. A penitenciária fica em Nísia Floresta, cidade da Grande Natal.

Presos são vistos durante o confronto em Alcaçuz (Foto: Andressa Anholete/AFP)

Quatro dos 26 corpos recolhidos pelo ITEP ainda não foram identificados. Destes, três estão carbonizados e permanecem no Instituto Técnico-Científico de Perícia (ITEP). O quarto cadáver, não identificado pela falta de familiares para o devido reconhecimento, foi enterrado como indigente após ter o material genético recolhido.

No último dia 11, parte de uma ossada foi descoberta próximo ao pavilhão 2 da unidade. Contudo, ainda não há a confirmação se os restos mortais são humanos nem quando a provável vítima foi morta.

Em março, uma equipe do mecanismo esteve na capital potiguar e requereu, junto ao Itep, respostas específicas sobre as situações que ocorreram durante as rebeliões. Peritos também foram pessoalmente a Alcaçuz, onde entrevistaram presos e agentes penitenciários que trabalham na unidade.

Desaparecidos
“Como mencionado, há 71 pessoas que constam estar em Alcaçuz, mas que não estão. Elas podem ter tido transferência não registrada, fugas/recapturas não contabilizadas, ou óbitos não reconhecidos […]. É possível que o número de mortes se aproxime à estimativa inicial, ou seja, 90 mortos”, aponta trecho do relatório.

“Destaca-se o acentuado descontrole de informação por parte das autoridades prisionais. As notícias iniciais tratavam de mais de 100 mortes dentro de Alcaçuz, mas oficialmente foram comprovadas 26 mortes dentro da penitenciária. Porém, esse número pode vir a ser maior, porque não existe um número oficial de pessoas desaparecidas”, diz outro trecho do documento.

O relatório também aponta que há, potencialmente, 636 pessoas privadas de liberdade em Alcaçuz que não deveriam estar presas em regime fechado. “Há fortes indícios de que aproximadamente 49% de toda a população carcerária de Alcaçuz estaria presa indevidamente”, dizem os peritos.

No relatório também consta a informação de que a equipe do mecanismo recebeu a informação de que além dos restos humanos encontrados e documentados, dentro da penitenciária havia uma fábrica de bolas onde corpos podem ter sido incinerados, reforçando assim a tese de que podem haver corpos enterrados ou nas fossas sépticas.

Fábrica de bolas foi incendiada durante as rebeliões. Peritos receberam muitos relatos de que alguns corpos teriam sido carbonizados neste local (Foto: Reprodução/GNEWS)

“Durante a rebelião, esta fábrica, que continha uma grande quantidade de material inflamável, foi incinerada e havia muitos relatos de que alguns corpos teriam sido carbonizados neste local. Os peritos teriam recolhido as cinzas, mas não teria sido possível proceder à identificação devido ao estado das amostras”, traz trecho do relatório que também comenta os procedimentos do Itep, classificados como “inadequados”.

Insalubridade
Os peritos do mecanismo constataram também as péssimas condições das celas em Alcaçuz e no Rogério Coutinho Madruga, mais conhecido como Pavilhão 5.

“As condições das celas e pavilhões são bastante insalubres, com acúmulo de sujeira decorrente da danificação da estrutura física, restos de alimentação e dejetos humano não evacuados pelo esgotamento sanitário – devido ao racionamento de água. Ambiente propício para a proliferação de doenças e sério comprometimento à saúde. Fiações expostas e arranjos elétricos perigosos prejudicam ainda mais a segurança das pessoas, o que piora nos períodos de chuva. O contexto infraestrutural de vida cotidiana expõe os presos a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, com condições propícias à tortura”, diz o relatório.

A presença de uma fossa séptica a céu aberto e grandes pilhas de lixo também é relatada. No Pavilhão 5, havia uma média de 17 detentos por cela, que tem capacidade para oito. “Confinamento integral e muito degradante”, acrescenta.

Lei do mais forte
No documento, os peritos do mecanismo afirmam que em Alcaçuz foi instalada uma dinâmica onde os espaços privilegiados, como as celas, “são tomados por determinadas pessoas de modo arbitrário e violento. Pela deliberada ausência do Estado, aplica-se a lei do mais forte para a distribuição espacial, favorecendo uma lógica de favores, compra, venda e extorsão para se ter um abrigo e acesso a um banheiro, por exemplo”.

E acrescenta: “A omissão estatal impõe aos internos um contexto de extrema vulnerabilidade, em que casa um deve providenciar por seus meios a garantia de direitos básicos. A privação de liberdade dentro dos pavilhões, sem qualquer controle, implica em expor permanentemente o direito à vida dos detentos”.

Condições precárias
O relatório também aponta que as condições dos servidores da penitenciária estão comprometidas. Segundo os peritos, o prédio está deteriorado e existe apenas um acesso de entrada e saída nestas áreas, o que causa preocupação em situações como rebeliões.

“Os alojamentos destinados ao descanso dos agentes são extremamente quentes, com mosquitos, camas e armários velhos e sujos e ventiladores improvisados. Os banheiros são impróprios e não funcionam e as instalações elétricas são comprometidas”.

Em Alcaçuz, a proporção é de 120 presos para cada agente penitenciário, quando a Lei de Execuções Penais prevê um agente para cada grupo de cinco detentos. Houve relato de que muitos agentes sofrem de insonia e ansiedade. O relatório aponta também que o Estado não provê, institucionalmente, nenhum serviço de acompanhamento psicológico ou social a estes servidores.

A omissão estatal na Penitenciária Estadual de Alcaçuz envolve todas as pessoas que lá estão, não se restringindo às pessoas privadas de liberdade.

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