Reggaeton mistura sertanejo com funk e vira fenômeno no Brasil

Simaria, Anitta e Simone nos bastidores da gravação do clipe de "Loka" (Foto: Divulgação)

Por Carol Prado
Do G1

Há algo em comum entre Luan Santana, Anitta, Simone e Simaria, Nego do Borel e Claudia Leitte – e não estamos falando da capacidade de emplacar um hit atrás do outro. Todos eles, e mais um monte de nomes lucrativos do pop brasileiro, se renderam recentemente ao reggaeton, gênero que nasceu no Panamá e nos últimos anos atravessou o Canal rumo às paradas de sucessos no mundo todo.

Hoje a sonoridade que ganhou as rádios e paradas de streaming tem pouco a ver com o reggae – embora o nome faça referência ao ritmo jamaicano. Menos ainda com o rap – o “ton” do reggaeton vem de maratón, concurso de rap caribenho. Mas, bem antes de chegar ao repertório de Drake, Justin Bieber, Rihanna e dos brasileiros, o gênero fez parte da cena underground latina.

“Comparo o reggaeton hoje com o que foi, lá atrás, o funk carioca. Foi crescendo, ficando ‘chique’”, analisa o produtor uruguaio Augusto Cabrera, um dos principais responsáveis por trazer o gênero latino ao Brasil. Ele explica:

“Não é de hoje que a música brasileira é influenciada pela latina. Um exemplo disso é os modões mais antigos, que parecem os mariachi mexicanos.”

De modão, Cabrera entende bem. Já trabalhou com nomes como Zezé di Camargo e Luciano, Leonardo e Eduardo Costa. É também o produtor responsável por “Loka”, um dos hits do verão deste ano, nas vozes de Simone, Simaria e Anitta. Ele conta ao G1 que Simaria o procurou numa jornada de produtor em produtor, em busca do reggaeton perfeito (leia-se: o mais rentável).

“Ela estava ouvindo muito reggaeton puro, não estava encontrando o som internacional que procurava. Ela queria uma levada latina. Nada trivial, mais rádio mesmo, como o que a Shakira está fazendo agora”, lembra. “Montei a ideia em 30 minutos e ela pirou.”

O público também. O clipe de “Loka” tem mais de 220 milhões de visualizações no YouTube e a música, lançada no início do ano, ainda está em todas as listas de mais ouvidas no streaming brasileiro. Luan Santana também emplacou “Acordando o prédio”, seu primeiro reggaeton. Para Cabrera, a estrutura da música latina tem tudo a ver com o sertanejo.

A pista desacelerou
Nada disso. É o funk o verdadeiro par perfeito, ao menos para Dennis DJ, um dos mais importantes nomes do gênero (produziu de “Cerol na mão”, sucesso do início dos anos 2000, a “Malandramente”, do ano passado). Ele incorporou o ritmo latino em “Eu gosto”, cantada por Claudia Leitte.

“O reggaeton tem um beat mais baixo. Antes, eu não via uma maneira de encaixar isso no funk. Mas aí surgiu o rasteirinha [vertente de ‘Deu onda’, por exemplo], que também tem um beat caído. Casou certinho”, ele explica. E acrescenta que o momento tem a ver com uma mudança no gosto do público:

“A pista desacelerou. Há dois anos, a pista era do David Guetta e de outros DJs com o mesmo estilo. Hoje o que faz sucesso, o Chainsmokers, por exemplo, é mais lento. E foi o reggaeton quem se deu bem nessa história.”

Com o fortalecimento da mistura, criou-se até um termo para definir o funk com pegada reggaeton: é o “funketon”. “Antes de ‘Água na boca’, eu não ouvia nenhum reggaeton nas rádios. Hoje é o tempo todo. Acho que as pessoas viram oportunidades e leques se abrindo na indústria latina”, avalia Tati Zaqui, que depois de “Parara tibum” passou a se dedicar ao gênero. Ela se considera pioneira do “funketon”.

Reggaeton ‘Nutella’ vs. reggaeton ‘raiz’
Estamos falando de música pop, e é claro que o reggaeton de Simone e Simaria, Claudia Leitte, Tati Zaqui e os colegas é diluído em um punhado de outras referências. É o “som internacional” buscado por Simaria para “Loka”. Para citar um meme recente, dá para dizer que é o reggaeton “Nutella”.

“O que o povo faz não é bem reggaeton, é uma mistura sutil. Nos meus trabalhos, mantenho o violão sertanejo, troco a percussão, coloco até coisa de samba, pagode. Não é pedacinho por pedacinho, é mistura mesmo”, explica Cabrera, que crítica os adeptos de fórmulas prontas, especialmente no sertanejo:

“No Brasil, há o grave problema de quase todas as duplas serem iguais. Os produtores fazem as mesmas coisas, um copia o outro. Às vezes você nem sabe quem canta o que. Lá fora, o que vende é o diferente.”

Há no país quem faça um som mais próximo do que poderia ser o reggaeton “raiz”. O duo Señores Cafetões já usou referências de funk, mas nos últimos anos tem se dedicado a um repertório mais puro. A dupla, formada por MC Sped e DJ Boka, é dona das famosas “Piriguete” e “Desce sobe”, mas depois delas não conseguiu emplacar outros hits. Boka lamenta:

“Tem muita gente gravando reggaeton hoje, e ao mesmo tempo tem muito artista do gênero que não consegue visibilidade. Essa popularização não ajudou muito. Mas também não atrapalhou.”

Exportação
Ao mesmo tempo esquecidos no Brasil depois de “Desce sobe”, os Señores Cafetões bombavam o reggaeton brasileiro na Europa. A música “Ela quer dançar” levou a dupla a uma turnê de 45 shows por lá, em 2011. “Fomos para ficar duas semanas e acabamos ficando três meses. Foi um conto de fadas”, lembra o DJ. O duo também passou por Bolívia, Uruguai e Paraguai.

Enquanto isso, figurões brasileiros se esforçam para levar seu som para fora do país. Cabrera sabe bem, e dá a dica: “O que eu recebo hoje em dia de artista grande me perguntando o que fazer para ir para outros países da América Latina… Eles querem fazer reggaeton, mas isso todo mundo já faz lá. Tem que ter um diferencial. Tem que levar o Brasil para fora.”